A comoção causada pelo relatório do FMI é compreensível. Nenhum doente gosta de receber más notícias e, se o diagnóstico é sério, a comunicação é muito relevante. Além do mais, o relatório tem falhas e algumas imprecisões, o que contribui para que seja desacreditado. Conviria, ainda assim, que muitos daqueles que o criticaram se esforçassem por ter uma visão realista. O diagnóstico merece, pelo menos, uma reflexão porque ninguém no seu perfeito juízo ignora que o Estado precisa de uma reforma de fundo, muito para além das pequenas e lentas reformas que têm sido feitas.
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A questão pertinente, que se coloca, é se o FMI tem autoridade para elaborar o seu diagnóstico sobre a situação portuguesa. Infelizmente, essa autoridade resulta de ser nosso credor. Todos nós sabemos que, numa empresa em dificuldades, são os credores, e não os acionistas, quem toma muitas das decisões. Por muito que nos custe, é nessa situação que nos encontramos. Infelizmente, o desgoverno do país, nos últimos vinte e cinco anos, levou-nos a essa situação. Razão pela qual a nossa soberania se encontra, hoje, sob tutela.
Poderíamos optar por seguir o caminho que nos é proposto pela extrema-esquerda. Ou seja, dizer que não vamos pagar, reclamar dos juros e da origem da dívida. Sucede, contudo, que essa hipótese não é viável, na medida em que o país deixaria, então, de ter crédito disponível e, não se podendo financiar externamente, haveria uma inevitável implosão da economia, e do sacrossanto Estado.
Afastada essa hipótese, teremos de fazer opções. E, por muito que nos custe, não podemos continuar a financiar o Estado que temos. Não podemos continuar a aumentar a sua dívida porque ninguém estará disponível para nos emprestar os fundos necessários. Não podemos, também, pagar mais impostos para o sustentar, porque todos nós, famílias e empresas, chegámos, há muito, ao limite. Não podemos, sequer, contar com um crescimento económico, porque a situação internacional é adversa, porque não temos recursos para o investimento público ou privado enquanto o Estado expropriar uma parte excessiva do que é gerado pela economia privada.
Por isso, a reforma do Estado é, de facto, inadiável e, discordando-se das fórmulas do FMI e do ritmo que nos querem impor, sabemos que a sua sustentabilidade depende, ainda, das nossas opções. Para já, o destino está nas nossas mãos, apesar da tutela dos credores. Se pretendemos que o Estado social perdure, então temos de ser capazes de salvaguardar as suas funções essenciais, com maior eficiência na aplicação dos recursos. Sucede, contudo, que essa eficiência na aplicação dos recursos, ou seja, a adequação da oferta à procura, esbarra com os interesses instalados. Por norma, sempre que se fala do Estado, seja na área da educação ou da saúde, da defesa ou da segurança, o que é relevante é a oferta. Por essa razão, esbanjamos recursos. Depois, quando há que cortar, em situação de desespero, resta-nos o corte cego. Ora, o maldito estudo do FMI crítica os países onde foram desenvolvidos programas de consolidação com base em cortes cegos e transversais.
Ao lermos os jornais, ficamos com a ideia que o estudo do FMI deve ser queimado na fogueira porque se inscreve numa agenda ideológica, porque implica um novo programa de governação, por muitas a variadas razões. Ora, não estou certo de que essa opinião seja partilhada pela maioria dos portugueses. Principalmente pelos que conseguem interpretar os factos, que compreendem que, apesar do aumento muito violento nos impostos, aquilo que lhes chega através do Estado, ou o que é redistribuído aos aflitos, é cada vez menos. O que quer dizer que o Estado que temos não consegue realizar as suas funções, porque já não consegue redistribuir a riqueza. Creio que aqueles que ignoram a realidade e escondem a cabeça na areia são os maiores inimigos do Estado Social e, também, dos funcionários públicos, que só têm a ganhar com um Estado viável, que lhes reconheça o seu papel fundamental e lhes possa dar garantias de futuro.