O estranhamento que nunca existiu
Não há nada pior que descobrir a meio de uma viagem difícil que o caminho escolhido é errado; que a premissa era falsa e a tese afinal não é demonstrável.
Mas mesmo assim é obrigatória a honestidade de voltar atrás. Essa será a única explicação possível para as conclusões do livro "Portugal-Brasil: Raízes do estranhamento" que o antigo jornalista e ex-adido de Imprensa Carlos Fino recentemente publicou e cujas conclusões são, no mínimo, cientificamente indemonstráveis.
Talvez não tenha havido tempo, ou vontade, para perceber o erro cometido e repetir o trabalho; É verdade que muitas vezes somos tentados a confundir a nossa perceção (vontade) com uma realidade que não existe. Mas isso, que até pode ter desculpa num estudante de liceu, é incompreensível numa tese de doutoramento, ainda por cima publicada na mira do sensacionalismo fácil sobre um tema que tem relevância nacional e bilateral e acontece na data espacial do bicentenário da independência do Brasil.
O único estranhamento compreensível na imensa tese (disponível online) é o facto de o autor não ter "estranhado" que num trabalho científico, onde o método é universal - observação, experimentação, hipótese, verificação e tese - a amostra selecionada não podia estar correta.
Quando o autor escreve perentoriamente que "não houve um português com quem eu tivesse falado para esta tese que não tenha contado que se sentiu constrangido ou humilhado de alguma forma com as anedotas. Essa persistência do português como sujo, como burro" [fim de citação] teria a obrigação de antecipar que, ou a amostra era fraca, ou a convicção errada, e que, por isso, tinha de escolher outra tese.
Agora, concluir a partir desse universo limitado - e de experiências pessoais, que se sabe serem enganadoras desde o mito da caverna - que "os brasileiros têm vergonha do seu passado português" é um absurdo injustificado que só poderia ser superado por outro disparate ainda maior: afirmar que "os portugueses menosprezam o Brasil". Precisamente as duas conclusões do doutoramento. Às vezes é muito melhor ficar calado.
*Especialista em Media Intelligence

