A Ponte Dona Antónia Ferreira "A Ferreirinha" é o nome da mais recente travessia que vai integrar o leque de pontes que unem a cidade do Porto à cidade de Vila Nova de Gaia.
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Esta ponte, incluída no investimento de cerca de 450 milhões de Euros referente à Linha H do Metro do Porto terá apenas um tabuleiro destinado à circulação metroviária e, bem assim, de bicicletas e pessoas, como na imagem abaixo:
Imagem 1 - Renderização 3D da Ponte Ferreirinha
No que diz respeito a este tabuleiro, cumpre citar a Memória Descritiva e Justificativa do Projeto de Execução desta ponte, elaborado pelo Laboratório de Estruturas Edgar Cardoso, Arenas & Asociados, a NOARQ e, pois claro a Metro do Porto, mais precisamente o que se encontra exposto na página 33 do mesmo documento, que inclui algo que apenas posso apelidar de esoterismo urbanístico New Age:
"Adotamos como objetivo desenhar uma travessia de um meio de transporte pesado numa conceção de eco cidade, onde, para lá do que motiva a construção da ponte - a nova linha Metro - o espaço é entendido como domínio do cidadão que caminha e se apropria (com responsabilidade) do território"
Sobre este parágrafo, nada a dizer exceto elogiar a capacidade de escrever tantas linhas para no final dizer absoluta e rigorosamente nada. Em particular, acaba por ser delicioso o comentário de que o cidadão se apropria com responsabilidade do território, como se houvesse apropriações irresponsáveis e responsáveis, ora.
No entanto, as frases a seguir são, felizmente, mais clarificadoras:
"Todos os tipos de tráfego (ferroviário, pedonal e ciclável) foram, por isso, colocados em paridade; lado a lado. Convivem, sem desníveis, nem separações físicas (...) O futuro é lugar de todos lado a lado"
Se ao estimado leitor a frase "O futuro é lugar de todos lado a lado" parece típica de um discurso político e não de um documento de suporte à engenharia de uma ponte, tenho que infelizmente concordar.
Afinal, na prática, o futuro "não é lugar de todos lado a lado" se olharmos para as demais pontes sobre o Rio Douro. Não faz parte do senso comum, colocarmos peões e bicicletas a circular lado a lado com automóveis na Ponte do Freixo ou na Ponte da Arrábida ou mesmo na Ponte São João juntos aos vários Alfas Pendulares, Intercidades, Urbanos e Regionais que ali passam.
Mas, no caso do Metro do Porto, temos uma situação muito particular onde este, embora pesando 81,5 toneladas com carruagens acopladas, irá circular em paridade com os peões e as bicicletas que não pesam mais que 85 quilos ou se preferirmos 0,1% do seu peso.
Imagem 2 - Renderização 3D da Ponte Ferreirinha com evidenciação do canal metroviário, pedonal e ciclovia
Assim, conforme poderá ver outra vez na imagem acima, o Metro do Porto circulará sem qualquer tipo de desnível ou barreira com as ciclovias e passeios anexos ao canal metroviário.
Se isto é possível? Sim, mas não há bela sem senão.
Naturalmente, quanto maior a massa de um objeto, maior a sua inércia ou, trocando por miúdos, a distância de travagem do Metro do Porto acaba por ser muito, mas muito superior à distância de travagem de um carro ou de uma bicicleta, objetos com massa muito inferior a qualquer veículo do Metro do Porto.
Assim e tendo em conta que esta configuração "futuro é de todos" é muito apetecível para incursões de via por parte das bicicletas ou mesmo dos peões, o Metro do Porto terá que circular a uma velocidade muito reduzida, por forma a manter as distâncias de travagem mínimas o suficiente e assim evitar atropelamentos que podem ou não ser mortais.
Esta mesma situação já acontece na Ponte D. Luís I.
Aquando da inauguração da Linha Amarela em 2005 e até 2017, o Metro do Porto circulava a 40km/h no tabuleiro superior da ponte, uma velocidade minimamente competitiva com o automóvel.
No entanto, em 2017 e tendo em conta a crescente afluência de turistas a este importante ícone da cidade, saltou logo à vista uma falha clamorosa no desenho do tabuleiro superior desta travessia: os canais pedonais desta não possuem qualquer desnível ou barreira com o canal metroviário, havendo apenas uma linha amarela contínua pintada no chão e uns lampiões ao longo desse canal.
Assim, as incursões de via começaram a aumentar significativamente, obrigando a circulação comercial a afrouxamentos ou mesmo travagens de emergência que dissipam toda a energia cinética na estrutura metálica desta ponte centenária, algo que não é desejável de todo. Face ao exposto, a Metro do Porto tinha duas alternativas:
(1) segregar os passeios da Ponte D. Luís I com gradeamentos metálicos, não prejudicando a operação comercial e assegurando eficazmente que não havia mais incursões de via, ou;
(2) reduzir a velocidade de forma tão absurda que o risco de atropelamento se ornasse incipiente.
Escolheu-se a segunda opção e assim o Metro do Porto circula neste momento a ~20km/h, por vezes menos, os afrouxamentos continuam de forma regular e a passagem deste na ponte é marcado por um buzinão quase contínuo para garantir que as pessoas abandonem o canal central de passagem do Metro.
Nada nos garante que o mesmo não se irá passar na Ponte Ferreirinha com esta atual configuração. E que o Metro do Porto tenha de adotar velocidades comerciais absurdamente baixas numa situação de maior afluência desta ponte, para que bicicletas, idosos, carrinhos de bebé e afins circulem pelos carris deste
suposto meio de transporte de referência da cidade do Porto como já acontece habitualmente na Ponte D. Luís I.
Quem sofre com isto? Os utentes do Metro, que têm tempos de viagem muito superiores aos que poderiam ter com uma devida segregação do canal metroviário.
Quem sofre com isto? Potenciais vítimas de atropelamento de um veículo que, embora circule a velocidades absurdamente baixas, pesa 81 toneladas e tem assim uma distância de travagem significativa.
Quem sofre com isto? Os portuenses, gaienses e demais pessoas que circulem na Via de Cintura Interna e pelos seus acessos através da Ponte da Arrábida e da Ponte do Freixo quando o Metro do Porto, por estas e outras razões, não consegue competir com o automóvel e não consegue retirar as pessoas do seu transporte individual.
Quem sofre com isto? O contribuinte português que irá ter de suportar de forma indireta EUR 450.000.000,00 com uma linha de metro com perfil de elétrico, velocidades de elétrico e inserção urbana de elétrico quando um verdadeiro elétrico representaria um custo de investimento bastante inferior.
Por isto tudo, o Metro do Porto não pode continuar a ser um elétrico. Nos troços onde este não se encontra segregado, esforços terão de ser empregues para segregá-lo efetivamente dos passeios e dos automóveis e assumir de uma vez por todas que o Metro do Porto é um metro ligeiro e não um metro ligeiro a desejar ser elétrico.
Isto se querermos, naturalmente, fazer com que cada vez mais pessoas abandonem o seu transporte individual a favor do transporte público e cumprir com as metas de descarbonização apontadas para Portugal.
A Ponte Ferreirinha não foi ainda construída, mas este erro grosseiro de desenho pode e deve ser corrigido aquando da sua construção.
A complacência não pode ser a regra, mas sim a exceção.
Isto se queremos um Metro do Porto melhor.
Uma cidade do Porto melhor.
Uma cidade de Vila Nova de Gaia melhor.
*Economista