<p>O Sol, quando nasce, é para todos. A crise, quando aterra, só atinge alguns. A contragosto, a classe política lá cortou cinco por cento no salário. O "desconto" fica aquém do aplicado noutros países, bem mais abonados do que o nosso, mas deve registar-se como exemplo, porque não teriam cara para cortar a eito se eles próprios não prescindissem de uma parte do vencimento.</p>
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Porém, ainda este prato não tinha sido deglutido e logo se descobriu que a "dieta de emagrecimento", parecendo sê-lo, não é para todos seguirem. Directores e subdirectores-gerais, bem como a miríade de adjuntos e assessores que enxameia gabinetes ministeriais, são poupados, porque a regra aplica-se apenas a detentores de cargos políticos. O exemplo, afinal, não se espalha.
Quem, com ligeireza, descarrega frustrações nos políticos, cedendo à crítica fácil aos vencimentos de que auferem, esquece que, com muito menor exposição pública, certos gestores públicos levam para casa salários bem superiores. Há uns anos, questionado por um jornal sobre como se sentia ao constatar que ganhava três vezes menos do que os gestores de empresas que tutelava, o falecido Sousa Franco, então ministro das Finanças, corrigia: "Três vezes menos? Dez vezes menos!". Não mentia, mas também não se escandalizava. Era assim, porque sempre foi.
Esta situação, que entretanto não terá mudado, suscita múltiplas perplexidades. Muitos desses gestores acrescentam aos elevados salários generosos prémios, se os objectivos são alcançados, mas não são alvo de responsabilização quando a coisa dá para o torto. Não faltam, por outro lado, exemplos de empresas ou institutos públicos de utilidade difícil de vislumbrar, cujas administrações integram um número excessivo de membros.
Em tempo de vacas magras, não falta, portanto, onde cortar; falta é vontade política. Para extinguir empresas, como algumas do sector empresarial local, que nasceram ao sabor de apetites autárquicos. Para acabar com institutos públicos que se sobrepõem a outros. Para reduzir conselhos de administração à dimensão que a sua actividade justifica.