O Jel, nome artístico de Nuno Duarte, o músico/comediante de protesto dos histriónicos "Homens da Luta" disse há dias num programa televisivo que não tarda muito e vai a votos. Só não sabe quando e em que eleições, mas que vai a votos está garantido. Beppe Grillo, comediante italiano, também foi a votos: obteve 25,5% dos votos e 108 cadeiras na Câmara dos Deputados e 23,7% dos votos e 54 cadeiras no Senado.
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Quer dizer: um em cada quatro eleitores italianos escolheu um tipo que reclama um "rendimento de cidadania" de 1000 euros, que defende a saída da Itália do euro e que exige uma semana de trabalho de 20 horas. O movimento de Beppe Grillo chama-se 5 Estrelas. Faz sentido: trabalhar quatro horas por dia é, na verdade, uma coisa 5 estrelas. Um luxo. Se a isso juntarmos a "honestidade" e " a antipolítica", baluartes maiores do pensamento do comediante, a coisa passa a 6 estrelas.
A parte do povo italiano que preferiu rir a pensar quando depositou o voto na urna tem agora um pequeno problema pela frente. A coligação de centro-esquerda, que conseguiu o maior número de votos, já iniciou uma operação de charme e aproximação ao Movimento 5 Estrelas. O que significa que, caso a conversa frutifique, algumas das brilhantes ideias de Beppe terão de fazer parte do programa do próximo Governo italiano. Qual será: a saída do euro ou a semana de trabalho de 20 horas?
O voto em Beppe Grillo é, disso não há dúvida, sintoma de uma doença séria (melhor: do acentuar de uma doença séria) que aflige o sistema político italiano. E, claro, obriga-nos a pensar - a nós, portugueses, e a todos quantos gostam de viver numa democracia expurgada de delírios imediatistas - sobre o caminho que fizemos, ou que permitimos que fosse feito, e no caminho que queremos fazer, ou no caminho que estamos dispostos a sufragar.
O voto em Beppe Grillo é um soco na cara dos decisores nacionais e europeus (o ecossistema político italiano era o ideal, por força das circunstâncias acumuladas durante anos, para deixar germinar esta aberração democrática). Mas é, ao mesmo tempo, um soco nas nossas caras.
Os portugueses adoram escolher a terceira pessoa do plural - o famoso "Eles" - como bode expiatório de todas as desgraças. Sucede que "Eles" não existem porque sim: existem porque "Nós" os elegemos. Podemos sempre abrir um espacinho neste contínuo para dar voto e voz aos bobos que sempre existem nas cortes. Mas convém termos clara a noção de que brincadeiras deste género costumam sair caras, porque são uma espécie de boomerang: os cidadãos são as primeiras vítimas de delírios inconsequentes como este.
Aguardemos pelo "fenómeno Jel". Para rir e depois chorar.