O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem sido recentemente acusado de não ter uma estratégia para combater e eliminar o Exército Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Como é bem sabido, todos têm opinião sobre tudo, desde os grandes aos mais insignificantes tópicos. E, se todos têm opinião sobre tudo, aqueles que mandam, e por maioria de razão aqueles que são poderosos, além da opinião têm que, de forma instantânea, apresentar a sua "estratégia", o seu "plano de ação" ou, no mínimo, diretivas "claras" sobre o caminho a seguir. Ora, se Obama ainda não sabe bem o que e como fazer para enfrentar os bandidos do EIIL, comete o pior dos pecados mortais: é um indeciso e um frouxo.
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Sem querer ser do contra, penso que quando Obama demora algum tempo a definir a estratégia para combater uma realidade que até aqui se desconhecia o facto, por si, não é uma má notícia.
Com efeito, no que à resposta a ameaças internacionais se refere, as "estratégias" muito claras e determinadas foram, quantas vezes, o instrumento cego para se cometerem os erros mais cavernícolas.
Lembremo-nos das "estratégias" iluminadas que foram seguidas em relação ao Médio Oriente pelo antecessor de Barack Obama, George Bush Jr. (porventura, o maior troglodita da longa história dos presidentes americanos), desde a intervenção no Iraque em 2003 à alucinação da legítima defesa preemptiva "urbi et orbe" e do "roadmap democrático". Do ponto de vista da clareza, a "estratégia" era clarinha como água. Do ponto de vista das mentiras (desde as armas de destruição massiva à alegada aliança entre Saddam Hussein e a al-Qaeda), foram tantas que ainda hoje se estão a contar. Do ponto de vista dos meios militares e financeiros, gastaram-se inutilmente jorros, torrentes, de dólares. Do ponto de vista da violação do Direito, até a prática da tortura contou com juristas complacentes para a justificarem. Do ponto de vista dos resultados: um desastre.
E, no entanto, quantos não glorificaram aquela estratégia, que tinha a vantagem de ser tão simples que roçava o simplório? Quantos não aplaudiram a firmeza da "decisão"? E, como não podia deixar de ser, quantos não assobiaram freneticamente para o lado quando a "estratégia" se atolou de forma irremediável e quando os membros da organização terrorista que se queria destruir se multiplicaram como pulgões no areal depois da maré cheia?
Mas, para repartir o mal pelas aldeias, será que nos sentimos confortáveis com a intervenção militar recente na Líbia e com o caos de sangue e violência que deixámos como legado (que não é, objetivamente, menos mau do que aquele que lançara Khadaffi?) Será que nos entusiasma o andamento da "Primavera árabe", que tanto nos empolgou?
Obama não é e nunca será o grande presidente americano que tantos (eu incluído) gostariam que fosse. Mas, depois de cometidos erros, tem mostrado capacidade para ir aprendendo e consolidando o seu pensamento em matéria de política externa. Recuou "in extremis" quando já se preparava, de forma insensata, para intervir diretamente na Síria. Esperou no Iraque, e com isso determinou a queda da péssima liderança de Maliki. Iniciou os bombardeamentos contra o EIIL, e os efeitos têm sido muito positivos. Prepara uma coligação, diz-se que de dez Estados, para subir a parada contra o Califado, embora não necessariamente através de uma intervenção terrestre. Já consegue falar com o Irão, mesmo que no fio da navalha que representa a vontade comum de estabilizar o Iraque.
Alguns dirão que o copo está meio vazio ou até cheio de coisa nenhuma. Porém, sem aventureirismos belicistas, a tal "não-estratégia" está a produzir mais consenso, mais vontade de participação, mais "goodwill" do que, certamente, outras medidas com mais impacto mediático mas desconhecedoras de uma realidade extremamente complexa.
E, depois, é tudo uma questão de palavras. Na Ucrânia, por exemplo, do "nosso" lado todos disseram que tinham uma estratégia e afinal não sabiam nem sabem bem o que andam a fazer. Do lado russo, Putin sempre afirmou e continua a afirmar não ter "uma" estratégia para a Ucrânia, e mesmo os que se lhe opõem reconhecem que sabe (ó se sabe!) o que anda a fazer.
Obama disse que ainda não tinha uma estratégia para derrotar os terroristas psicopatas que andam pelo Levante? É capaz de ser uma excelente notícia, fartos de cruzadas andamos certamente todos.