<p>Esta foi a semana em que ficámos definitivamente a saber que João Cordeiro, presidente da poderosíssima Associação Nacional de Farmácias (ANF), e Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, se odeiam. Cordialmente, mas odeiam-se. O nível dos debates que mantiveram nas televisões, as acusações - graves umas, rasteiras, outras - e o cheiro intenso aos gigantes interesses económicos que andam a bailar ali pelo meio das conversas provam à saciedade que o ambiente entre o dr. João e o dr. Pedro não é, longe disso, o mais saudável.</p>
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E que temos nós a ver com a relação entre os líderes da ANF e da Ordem dos Médicos? Infelizmente, temos muito. São eles que, para o bem e para o mal, controlam dois dos vértices de um sistema de saúde que, por si só, nos deixa de pé atrás. (Sim, já todos passámos pela extraordinária experiência de aguentar horas a fio nas urgências dos hospitais para sabermos em que estado está a coisa.) De modo que, quando o dr. João e o dr. Pedro não se entendem (o que acontece vastas vezes) há apenas uma parte que fica a perder: o utente/doente.
Verdade que o país tem um Ministério da Saúde, ao qual, em princípio, cumpre pôr cobro aos devaneios da ANF e da Ordem dos Médicos. Ocorre que, pelo que se vê, o dr. João e o dr. Pedro estão pouco preocupados com o facto de a senhora ministra da tutela mostrar sinais de incómodo com a balbúrdia estabelecida. Antes disso está a defesa intransigente dos médicos e dos farmacêuticos.
Os exemplos que nos chegam de um e de outro lado provam isso mesmo. O presidente do Infarmed, entidade que regula o sector do medicamento, tem a certeza de que, na maioria dos casos, os médicos prescrevem os fármacos mais caros, o que faz subir "significativamente" os encargos dos utentes. O presidente da ANF acha que os clínicos não gostam dos genéricos e não facilitam a vida aos doentes. Os clínicos, esses, duvidam da qualidade dos genéricos. A ministra da Saúde acha que o poder de receitar não pode deixar de estar nas mãos dos médicos. E a Ordem destes quer agora realizar, já na próxima semana, um referendo para saber se a classe está disponível para entregar medicamentos aos doentes, caso seja feito um concurso público nacional para eleger um genérico para cada substância activa.
E é aqui que estamos. Estamos num ponto em que o doente, farto de ouvir, reiteradamente, que os médicos receitam determinados medicamentos para depois passarem umas serenas férias em destinos turísticos de generosa qualidade, não sabe o que fazer. Confia ou não confia no seu médico? Acredita ou não acredita que os medicamentos que lhes são receitados são os melhores - e se possível os mais baratos - para curar as suas maleitas? Esta prosaica questão, que é apenas e só a mais importante de todas, não parece incomodar os vários actores deste triste filme. É pena.