Muito do que Teixeira dos Santos disse no Parlamento, na sua última aparição como ministro das Finanças, é verdade. Precisamos de fazer mais sacrifícios, de consumir menos, de fazer reformas estruturais, de corrigir o défice, de garantir uma dívida pública sustentável. O que ele não disse, mas nós sabemos, é que a prática dos governos Sócrates nunca se pautou por essas preocupações. E, pior do que isso, é que foi sendo, este ministro das Finanças, professor competente e conhecedor das contas públicas, cúmplice e agente de um Governo que, estando a par da dura realidade, a tentou ocultar aos portugueses, implementando políticas que não coincidem com as verdades que, neste seu derradeiro acto, proclamou.
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Vestindo a pele partidária que lhe assenta mal, e rompendo com a tradição dos ministros das Finanças que o antecederam, deixou que o primeiro-ministro anunciasse os feitos miríficos da governação socialista, que governasse de forma despesista e anunciasse obras faraónicas quando sabia, como ninguém, que o país não tinha condições para se comprometer com esse programa. Ficou em silêncio quando Sócrates acusou o PSD de querer destruir o Estado Social, apesar de saber que, em virtude da crise, era preciso preparar o ambiente, e a opinião pública, para sacrifícios que iriam reduzir o âmbito dessa função do Estado, e que agora se vê obrigado a defender como inadiáveis.
Ao contrário do que sucedeu em Espanha, em que o Governo não temeu as consequências políticas, e tomou, em tempo útil, todas as medidas necessárias a travar a crise, Portugal foi adiando o que tinha de ser feito. Foi por isso que se viu obrigado a reagir a uma realidade que se foi agravando a olhos vistos enquanto a Espanha preveniu, agindo. E é por isso que, entre nós, sempre que uma medida é anunciada, parece tardia e, por isso, insuficiente. Cada PEC é a antecâmara de um novo PEC.
Teixeira dos Santos acompanhou Sócrates numa estratégia suicida, em que o Governo se comportava como se tivesse maioria absoluta e, pior do que isso, ia acusando as agências de "rating" pelas consequências dos seus erros e o PSD pelas medidas mais duras que ia sendo obrigado a tomar, esquecendo-se que o ónus da governação cabe sempre a quem governa e a quem conduz o país. Perdeu, assim, a credibilidade e a capacidade para negociar.
A chantagem do Governo sobre o PSD fundamenta-se numa nova ilusão, aliás, denunciada pelos parceiros europeus com quem o Governo negociou, como se ouviu de Junker, o presidente do Eurogrupo que disse haver compromissos que foram assumidos, e dos quais Portugal não se pode afastar. A ilusão, ou a hipótese, de que as medidas com que o Governo se comprometeu perante os parceiros europeus pudessem ter sido negociadas com o PSD, mesmo que este estivesse disponível para negociar.
Cai assim o Governo, sem honra ou glória, incapaz de conseguir a solidariedade interna para aprovar as medidas que lhe foram impostas pelo ultimato europeu, que acatou sem se preocupar com a violação das mais elementares regras institucionais.
Infelizmente, o Governo não esteve à altura das circunstâncias. Sócrates falhou porque cometeu erros, e porque não compreendeu a tempo a dimensão da crise. Teixeira dos Santos falhou porque nunca conseguiu convencer o primeiro-ministro de que o seu despropositado optimismo era injustificado, e porque nunca se demarcou da política de ilusão que, de forma obstinada, foi utilizada para encobrir a realidade aos portugueses. Terá sido mesmo para não ouvir essa realidade da boca de Ferreira Leite que se ausentou do Parlamento, num dia em que também o primeiro-ministro abandonou o hemiciclo logo após o discurso do seu ministro das Finanças.