Em "A rebelião das massas", Ortega Y Gasset preconizou, no triste ano de 1929, que "O europeu não pode viver a não ser que embarque numa empresa unificadora. (...) Só a determinação de construir uma grande nação daria nova vida à Europa. Começaríamos a acreditar nela de novo."
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Foi isso o que sucedeu nos últimos sessenta anos em que, passo a passo, se procurou criar a unificação europeia, a primeira etapa para construir a grande nação. A unificação económica contribuiu para a paz no nosso velho continente, proporcionou anos de fartura aos seus cidadãos, eliminou as velhas ditaduras europeias que tinham resistido aos ventos da liberdade. Depois, a livre circulação permitiu--nos sonhar com um território comum. Seguiu-se a união monetária, abraçada por grande parte dos estados, ao mesmo tempo que a união se espraiava para leste, ajudando a libertar os países que tinham ficado, desde a II Guerra Mundial, sob o jugo da cortina de ferro.
Naturalmente, nem tudo correu bem. Os nacionalismos foram resistindo à integração, sobreviveram ao ideal utópico, o que dificultou a criação de um sentido de pertença. Como referiu Luís Sá, a construção europeia é um fenómeno desprovido de um intenso potencial simbólico, daquelas energias e forças míticas que colocam o homem o os povos em movimento. E, nessa medida, o cidadão da Europa nunca se sentiu verdadeiramente europeu.
É essa a razão profunda da crise que atravessa a Europa. Porque, confrontados com uma crise económica e financeira sem precedentes, os europeus não parecem capazes de unir os seus esforços, de forma solidária, para impedir que a utopia se desmorone.
Fala-se, agora, numa união fiscal como único instrumento capaz de evitar o colapso da moeda única. Nada que me surpreenda porque, ainda antes da moeda única, questionei em várias crónicas como seria possível ter uma união monetária sem um orçamento comum. Mas, essa solução chega, agora, fora de tempo, e em circunstâncias muito adversas. Por aquilo que nos é dado a perceber, a Alemanha pretende, com o apoio colaboracionista dos franceses, impor as suas regras aos estados periféricos, como contrapartida para garantir o seu apoio à manutenção do euro. E, como se sabe, a alternativa seria terrível, porque ninguém sabe ao certo o que sucederia se, porventura, a moeda europeia entrasse em colapso, mas o cenário seria sempre de cataclismo.
Nessa medida, é muito provável que os estados europeus se vejam obrigados a aceitar essa condição, como é provável que, para além da divisão já hoje existente entre os países da Zona Euro e os que recusaram a moeda única, venha a surgir uma nova subdivisão relativamente aos primeiros: entre os que mandam na moeda única e determinam o seu orçamento, e os outros, como é o caso de Portugal, que serão os estados tutelados. Se assim for, no futuro, o nosso Orçamento do Estado, que hoje já está sujeito à monitorização prévia da troika, poderá estar condicionado a um parecer prévio do Bundestag. Perante esse cenário, é possível que continuemos a ter uma moeda única. Deixaremos, no entanto, de ter uma União Europeia, tal como a conhecemos hoje. Morreu, assim, e de morte macaca, "o sonho de alargar o conceito de cidadania para o nível supranacional colocando a democracia e a dupla cidadania como os grandes desígnios da União, levando a cabo a reforma que permitiria a formação democrática da opinião e da vontade europeia", como escreveu Álvaro Vasconcelos.
Haverá, isso, sim, uma Europa Unida, que muitos idealizaram e tentaram, anteriormente, impor pela força das armas, mas que estará longe de constituir uma solução federal, na medida em que os cidadãos dos diversos estados terão direitos muito diferentes. Perante tal cenário, e enquanto existe a possibilidade de livre circulação, estou com vontade de me refugiar na Alemanha e reclamar um novo passaporte para, pelo menos, poder ter uma palavra na escolha dos políticos que irão mandar em nós e que ditarão o nosso futuro.