O fim do centro e a ditadura do "anormal"
É quase impossível encontrar motivos de esperança numa sociedade que privilegia o insulto em vez do caráter ou onde a desordem gera mais benefícios do que o bom senso? Se é que ainda existem, o respeito e a consideração estão em franco desuso. Vale tudo?
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Vivemos com uma agenda distorcida e virtual, onde por exemplo a realização da festa do Avante pesa mais do que a subida do desemprego. Ou onde a classe política está mais preocupada com a aplicação da covid do que com as condições de arranque do ano letivo. Os portugueses pensam em comida na mesa, saúde e educação para os seus, não pensam em questões fraturantes.
Sei que ter filhos, praticar uma religião e gostar de trabalhar fazem de mim um perigoso conservador capitalista. Exagero, claro. Mas o problema está em começarmos a tomar o exagero por regular e aceitável. O risco é o "novo normal" ser uma ditadura do anormal, daquilo que necessária e obrigatoriamente se opõe aos valores e aos modelos da civilização ocidental.
A dificuldade de conseguir ser moderado, ponderado, sensato ou razoável é um problema para o qual diversas vozes, em ideologias e geografias várias, vêm alertando. O mais assustador é que a pressão para a cedência a essa dificuldade nos afasta do centro e nos atira violentamente para os extremos do pensamento, quando não para o radicalismo na ação. E tome-se o centro não tanto como um posicionamento político, mas antes como o local onde a racionalidade, a inteligência e a sensibilidade da espécie humana mais abundam.
Ofender autoridades, violar ostensivamente regras e leis, derrubar estátuas e destruir bustos não pode ser o "novo normal". Na Associação Comercial do Porto, sentimos com frequência que recebemos em insultos e malfeitorias a "fatura" da reflexão ponderada e das propostas construtivas. Não pode haver um preço a pagar pela independência e pelo pensamento crítico. Uma mulher que insulta e enxovalha publicamente o presidente da República num ato público não pode ser a imagem que damos de um país livre e democrático. Não, não vale tudo.
Empresário e presidente da Associação Comercial do Porto