Os média noticiosos têm vindo a destacar uma preocupação que atravessa diferentes países: a redução significativa da natalidade. Os políticos também agendaram essa inquietação, promovendo políticas públicas que incentivem os pais a terem mais filhos. No entanto, o problema é mais profundo, devendo passar por equacionar os papéis sociais de um casal.
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A presidente da Comissão Europeia, que por acaso é mãe de sete filhos, sabe que a Europa que tem de gerir apresenta um sério problema populacional. Daí a sua decisão em nomear uma comissária para a demografia que acumula a pasta com a da democracia, uma opção politicamente muito relevante. Em regimes mais autoritários, o tema também está na ordem do dia. Na Rússia, Putin lançou recentemente um vasto programa de abonos de família; na Hungria, Orbán tornou gratuito o acesso à procriação medicamente assistida; na Turquia, Erdogan exorta regularmente os cidadãos a terem mais filhos...
A questão não é meramente política. Também é económica. O capitalismo mundial traduz-se hoje por um nível de riqueza exorbitante para uns (poucos) e uma imensa precariedade para outros (muitos). Por motivos diferentes, todos sentem que não há tempo, nem condições, para serem pais. E isso interfere nas opções familiares que se fazem.
Todavia, antes de pensar a natalidade em termos macroestruturais, convém olhá-la a partir da célula familiar. Não será muito difícil perceber que as famílias estão em profunda mutação. Às famílias monoparentais, juntam-se famílias numa recomposição decorrente de divórcios e de novos casamentos ou uniões de facto. E isso tem sempre reflexos na resolução de ter (ou não) filhos.
Convém, no entanto, não esquecer que a decisão de ter um filho é sempre feita pelo casal e a vontade de repetir a experiência resulta, em grande parte, das vivências tidas com o primogénito. Ora, ao contrário do que as teorias de género por vezes nos levam a pensar, hoje os papéis sociais da mulher não evoluíram assim tanto. Em certos casos, regrediram. Às obrigações profissionais, uma mãe junta o acompanhamento diário dos filhos e a gestão do lar, fazendo muitas vezes isso sem qualquer colaboração do companheiro. Há ainda os que ousam dizer que "ajudam" e aqueles que preferem ignorar o problema para não verem beliscado o tempo de lazer que reservam para si e para os amigos. Assim, é difícil querer ter mais filhos...
Esta semana, o "Courrier International" anuncia em capa "O fim dos bebés". Talvez fosse acertado levar mais a sério este discurso apocalíptico...
Professora Associada com Agregação da Universidade do Minho