É certo e sabido que a relação dos portugueses com o Fisco mudou bastante na última década. E mudou para melhor. A antiga negligência dos contribuintes (que não raras vezes lhes era favorável, por causa da ineficiência da máquina fiscal) foi substituída por uma relação de respeito, ou mesmo de respeitinho, uma vez que, oleado como está, o Fisco dificilmente deixa passar em claro as falhas e faltas dos contribuintes.
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Por muito que isto custe a muitos, é assim que deve ser: assumir as responsabilidades fiscais para as quais somos chamados é a melhor forma de garantir que são menos penalizados os que menos podem. Está nos livros e é verdade.
Por seu turno, o Fisco foi gradualmente construindo uma imagem de credibilidade e eficácia que permitiu ao contribuinte abandonar a velha ideia de que estava a ser espoliado, sempre que a casa chegava uma qualquer notificação das Finanças. O seu a seu dono: a fatia de leão desta gigante tarefa foi conduzida, com muito mérito, pelo atual ministro da Saúde, Paulo Moita Macedo, quando exerceu o cargo de diretor--geral das Contribuições e Impostos.
Ora, quando um pequeno monstro como é o Fisco pula, por assim dizer, da fase analógica (tudo é um problema e nada se resolve sem carradas de burocracia e chatices) para a fase digital (os processos correm céleres e as soluções estão à mão de semear), não pode permitir-se que se volte atrás no tempo. Infelizmente, há sinais de que isso está a acontecer, fruto, desde logo, da caça louca ao imposto para aumentar a parca receita do Estado.
O último exemplo é desconcertante.
O preço por metro quadrado de construção e a idade das habitações são os fatores que mais contribuem para a definição do valor patrimonial tributário (VPT), sobre o qual incide o famoso IMI (imposto municipal sobre imóveis). Quer dizer: quanto mais baixo, ou mais alto, for o VPT, assim o contribuinte paga menos, ou mais, IMI. O que sucede? Sucede que as Finanças não atualizam nem o preço nem a idade da casa. Consequência: a menos que o contribuinte se dirija a uma repartição para tratar da papelada, a casa bem pode envelhecer e o preço por metro quadrado desvalorizar - o IMI manter-se-á o mesmo!
É verdade que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém. Mas, no caso, não é disso que se trata, em primeira instância. Trata-se, isso sim, de uma questão de honestidade (isso mesmo: honestidade) por parte do Fisco. Se - e bem, digo-o outra vez - as Finanças são capazes de criar algoritmos para isto e para aquilo; se são capazes de criar programas informáticos que seguem os contribuintes até os caçar, por que razão não fazem exatamente o mesmo nesta questão?
Não vale ter uma atitude quando se trata de cobrar (em 2012, os portugueses pagaram 1,232 mil milhões de euros de IMI, mais 95 milhões do que no ano anterior) e outra quando se trata de deixar de cobrar. Isso chama-se desonestidade. Coisa de que os portugueses estão fartinhos.