O mundo do futebol assistiu, entre o incrédulo e o cínico, a uma iniciativa do Sporting que se propõe demandar todos quantos, de acordo com o clube, o haviam espoliado de não sei quantos pontos, relegando-o do topo da classificação. Como qualquer expediente demagógico, sujeitava-se a ser desmascarado ao virar da esquina, no caso o desafio contra o F.C. Porto, em que a equipa leonina foi, de acordo com a generalidade dos analistas, beneficiada pela arbitragem. Como era de esperar, os eventuais erros não a incomodaram. É como aqueles que distinguem os ditadores entre os bons e os maus, consoante são por nós ou contra nós.
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O futebol pode servir como um exemplo sobre o modo como assuntos demasiado sérios para serem abordados em fóruns televisivos são resolvidos entre nós. No caso do futebol, a televisão imiscuiu-se no jogo, espiolhando e mediatizando todos os pormenores. As maiores vítimas foram os árbitros, cujos erros são postos a claro. Não raro, percebe-se que são pessoas incompetentes a quem, sabe-se lá como, enfiaram um apito na boca. Umas vezes acertam, outras não, mais por sorte do que por saber. Algum iluminado achou que se os profissionalizassem poderiam melhorar, esquecendo o ditado sobre o que nasce torto. Como de costume, a forma a prevalecer sobre a substância. Não admira! Talvez se tenham inspirado naqueles políticos que acham que passam a engenheiros ou doutores (como se isso, aliás, significasse alguma coisa), só porque arranjaram maneira de obter um diploma de licenciatura.
Incompetentes ou não, os árbitros são, não poucas vezes, vítimas da astúcia, na versão benigna, ou da desonestidade, na versão justa, de alguns jogadores. A velocidade do jogo, a distância ao local onde ocorre a jogada e o número de atletas envolvidos tornam, muitas vezes, difícil discernir se houve ou não falta. Sabendo-o, há quem se especialize em enganar o árbitro. O pior é que, ao fazê-lo, não raro se lesa o que se convencionou chamar "a verdade desportiva", falseando resultados e prejudicando directamente outros clubes e companheiros de profissão. Se o propósito fosse o de introduzir alguma ética nesta actividade, mesmo que não fosse possível alterar o resultado, podia-se, e devia-se, punir quem fosse apanhado em flagrante delito pelas câmaras de televisão. Sucede assim, ao que sei, se as imagens evidenciarem uma agressão que tenha escapado à equipa de arbitragem. No mínimo, se não se puder punir quem falseou resultados e prejudicou outros jogadores, que se despenalizem os profissionais que foram vítimas inocentes da impostura. O futebol, pela dimensão mediática que atingiu, é uma actividade com importantes repercussões que vão muito para além do estrito campo desportivo. Ao pactuar-se com a simulação e, sobretudo, ao castigar o inocente, está-se a dar o sinal errado quanto aos valores por que havemos de pautar a nossa vida quotidiana, seja no plano das relações sociais, políticas ou económicas.
Talvez o futebol não seja mais do que o reflexo do que se passa na sociedade, em geral. Os "chicos espertos" enxameiam, impune e descaradamente, o nosso dia-a-dia. A cunha e os laços familiares (vejam-se os apelidos dos lugares de topo nas grandes empresas) continuam a prevalecer sobre o mérito, cujo papel é reservado para os discursos. A concorrência, sã e leal, é boa mas... para os outros. Quando a rivalidade aperta, alguém está a "dar cabo do mercado". A pretexto de salvar postos de trabalho, consideramos aceitável que uma empresa falida se mantenha em actividade, em concorrência desleal com outras que têm de suportar todos os custos inerentes ao negócio. Se um empresário vai à falência e perde dinheiro, não é por ser a consequência do risco inerente ao negócio, mas porque foi burro e não pôs "o dele" a salvo.
É, o futebol é capaz de ser, mesmo, o reflexo do que somos! Neste campeonato, o F.C. Porto não conseguiu ganhar em Lisboa (perdeu em duas ocasiões e empatou outras duas) e, em três das vezes, queixou-se da arbitragem. O país está de volta à normalidade!