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De repente vira-se a folha do calendário e põe-se uma pedra no que está lá atrás, em zona irrecuperável - o passado. 2014 é um ano muito importante para a Europa. O momento em que a nossa geração começa a decidir se quer quebrar quase 70 anos de paz ou se, pelo contrário, deseja "ação", confundindo dívida com soberania ou défice com liberdade.
É verdade, estamos fartos, mas não vimos nem vivemos o que é a tragédia de um conflito global. Sim, esta é uma guerra económica na Europa, mas ela pode resolver-se através de tempo porque o tempo é apenas uma ficção que faz render juros. Bastaria termos mais tempo para conseguirmos sair daqui. Esta cura apressada faz lembrar as terapias antigas em que se tentava eliminar a febre através de sangrias, o que normalmente debilitava ainda mais o doente.
A senhora Merkel não vai poder continuar a vender BMW sem fazer todas as contas até ao fim. Não é por nós, é pelos franceses. Só lhe faltava uma França em caos social ali à porta... Além disso, a chanceler alemã vive sentada em cima de uma injustiça e manipula-a a seu favor. É um facto estudado que as famílias médias alemãs têm menos rendimento/património que muitos outros europeus, apesar da Alemanha ser uma economia ultrarrica. O dinheiro alemão fica nas grandes empresas ou nas velhas famílias dos negócios industriais. Os germânicos revoltam-se, mas não percebem que a culpa essencial não é dos países do Sul. É mesmo da escassa distribuição de riqueza gerada pela extraordinária e milionária produtividade.
Problema central: a Alemanha (e a Europa) não será melhor enquanto os alemães não aumentarem os salários. O problema é que, em simultâneo, aumentá-los gera o risco de se perder competitividade nas exportações - por muito bem-sucedidas que sejam. Nada é eterno, muito menos o sucesso. Este é o problema. Merkel e a grande indústria alemã vivem na indecisão de dar esse passo.
Sem dinheiro alemão para consumo não há como fazer o Sul exportar ainda mais. O impasse mantém-se. É fácil gastar, é difícil pagar. O circuito financeiro que intoxicou de excesso de dívida o Sul da Europa continua a sua tournée global. Os países emergentes são, aliás, os próximos a declararem-se atolados neste processo de oferta de liquidez barata induzida pelos vendedores de droga legítima - empréstimos. Turquia e Brasil, por exemplo, vão rebentar mais tarde ou mais cedo por incumprimento do crédito concedido às famílias - países onde a educação era limitadíssima e, de repente, o crédito estava (está) ali à mão de semear.
Os laços que enleiam os devedores (pessoas, estados, empresas...) são sempre iguais: consumo segundo o padrão dos países ricos, slogans de desenvolvimento, justiça social. Tudo isto sem educação à altura nem produção económica condizente. Coisas que os tribunais constitucionais têm dificuldade em entender em qualquer ponto do Mundo. O Direito é a cartilha escrita no passado para ler o futuro.
Chegamos então a 1914... Ou melhor, 2014. A Europa decide este ano se quer voltar cem anos atrás, quando a Primeira Grande Guerra dizimou milhões e abriu as portas para a Segunda Grande Guerra que criou outro tipo de horror. Hoje os furacões económicos asiáticos despedaçam a confiança ocidental porque têm poucas pensões ou direitos sociais para pagar aos milhares de milhões que morrem de fome, doença ou invalidez. Os europeus consideram-se derrotados pelos mísseis das percentagens de crescimento da China, Índia ou Coreia do Sul. Esquecendo tudo o que já está assente - a mais perfeita civilização e projeto do Mundo - apesar da crescente irracionalidade económica, industrial e antiambiental dos países do Norte.
Para ganharmos mais umas décadas de paz, quem sabe se um novo século, só temos um cartucho para gastar: a nova geração 'Erasmus'. Se eles chegarem a lugares importantes, depois de terem quase nascido sem fronteiras e com moeda única, talvez aí se abra uma janela para uma sociedade que se sinta 'nacional' e europeia em simultâneo. Falta, no entanto, ultrapassar 2014. Se a extrema-direita e esquerda tomarem conta do Parlamento Europeu, vamos recuar umas décadas.