A crise russo-ucraniana desencadeia muitos discursos e encontros de cariz diplomático. A Rússia diz que não quer invadir a Ucrânia, mas os EUA afirmam o contrário. Não será difícil imaginar uma conversa telefónica em que Joe Biden confronta Vladimir Putin:
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- O senhor quer invadir Kiev, pelo menos é isso que os meus serviços secretos me dizem.
- Olhe que não, olhe que não!
Se assim foi, então podemos dizer que o senhor do Kremlin se inspirou em Álvaro Cunhal para proferir aquela dupla negação, quando este quis rechaçar os ataques de Mário Soares, num famoso debate televisivo em 1975.
As movimentações de tropas dos dois lados da fronteira e as várias iniciativas diplomáticas que visam travar um eventual conflito armado relegam para segundo plano uma questão relativamente à qual o cidadão comum terá pouca noção: a nossa enorme dependência energética do "império vermelho". Em termos concretos, a Rússia fornece cerca de 40% do consumo de gás da União Europeia (UE). Não deixa de ser verdade que 60% das receitas do gás russo têm origem europeia, mas Putin terá outras prioridades. Biden pode berrar, mas os principais atingidos por um hipotético conflito serão sempre os europeus.
Cortando ou não o fornecimento de gás aos clientes europeus, qualquer redução fará sempre subir o preço aos clientes finais.
O Nord Stream 2, um gasoduto que atravessa o Mar Báltico, ainda não está em funcionamento por questões políticas, mas quando estiver operacional vai ter a capacidade de duplicar o abastecimento de gás russo à Alemanha. O gás que vem do frio abriu já brechas, colocando os alemães - apanhados numa hipotermia política - contra os Estados da UE que alinham sem reservas com Biden.
*Editor-executivo-adjunto