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1. Portugal já não é um país soberano. Não depende apenas de si próprio. Mas isso não convoca a cantar o hino e a marchar contra os canhões. A situação decorre, entre outras razões, da pertença à União Europeia. Razão pela qual, numa apreciação aos seis meses de um Governo impõe-se começar pelo jogo do gato e do rato que a "geringonça" (o nome vingou) tem praticado, ora com a Comissão Europeia, ora com o Eurogrupo. Do lado de cá, o objetivo é reverter cortes salariais, reduzir alguns impostos (aumentando outros), relaxar o défice, aliviar o cinto. Do lado de lá, as palavras de ordem continuam a ser cortar salários e pensões, reduzir o défice, reduzir a dívida, austeridade máxima. Os orçamentos e planos seguem para Bruxelas, regressam com emendas, acompanhados de ameaças de castigo que, até ver, não se cumprem. Resumindo, o gato assanha-se mas não arranha, e o rato ganha tempo para umas dentadas no queijo. É mais tática do que estratégia. Deu para seis meses. Talvez dê para um ano. Previsões a médio prazo são inúteis.
2. Portugal foi à falência, pediu resgate, comeu o pão que o diabo amassou. E voltou a pôr a cabeça fora de água. Esta foi a narrativa que vigorou durante quatro anos. Sabemos que a parte final era uma ilusão. Primeiro, foi a falência do BES, aquele banco em que Cavaco aconselhava a investir, e os milhares de milhões que custou aos contribuintes. Um Governo saiu e outro entrou e, de imediato, começou a aparecer o lixo que ficara escondido debaixo do tapete. Foi o Banif, com mais uns quantos milhares de milhões a pagar pelos contribuintes. Segue-se a Caixa Geral de Depósitos que, diz-se, precisa de uma injeção de quatro mil milhões de euros dos nossos impostos. A responsabilidade não será da "geringonça", mas o efeito para o cidadão é o mesmo e é também uma marca destes seis meses: a prática continua a ser a da privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.
3. Seis meses é pouco tempo para avaliar um Governo. Mas dá para elencar mais alguns pontos. Cumpriram-se as promessas de acabar com os cortes salariais na Função Pública, assiste-se ao princípio do fim da sobretaxa de IRS, começando pelos que têm rendimentos mais baixos. Os contratos de associação nas escolas, que, na maioria dos casos, servem apenas para alimentar negócios privados com dinheiros públicos, têm os dias contados. Ao contrário, não há sinais de que se tenha invertido a pobreza que ameaça um em cada cinco portugueses. Basta olhar para os últimos números do desemprego e apontar as 373 mil pessoas que já não recebem subsídio. E lembrar que o fim do Governo PSD/CDS não fez desaparecer por magia as centenas de milhares que não constam das estatísticas, mas nem por isso têm emprego. Continuam por aí e são quase um milhão.