Estamos nós ainda mal refeitos do impacto da mensagem de Ano Novo do presidente da República e já o Governo nos faz saber as propostas do Fundo Monetário Internacional para reforço do programa de austeridade. E digo que nos faz saber, por estar convicto de que começou por se tratar de uma fuga controlada pelo gabinete do primeiro-ministro e não de um trunfo jornalístico jogado por acesso menos próprio ao relatório. Ao deixar cair a informação para avaliar do seu impacto na opinião pública e para ir preparando os portugueses para o pior, o Governo guardava-se para poder dizer - como disse - que se tratava apenas de um estudo, de um relatório de consultores não aprovado pelo Executivo. Mas as coisas precipitaram-se e os estragos estão já aí.
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A situação agora criada suscita que a avaliemos sob três pontos de vista - a forma como se tornou pública a informação, o seu conteúdo e as suas consequências.
Quanto à forma, dificilmente poderia ter sido mais insensata.
Depois da " fuga de informação" e face à indignação geral, aquilo a que assistimos foi a um secretário de Estado vir validar as propostas do FMI elogiando o relatório ainda antes de o Governo assumir o seu conteúdo. Claro que as reações não se fizeram esperar, mesmo no seio dos partidos da coligação. Desde o pedido de demissão de Carlos Moedas, passando pelos "pressupostos errados" que estarão na base das medidas propostas, até à estupefação dos líderes parlamentares, vimos de tudo. Ainda não se diluíram os efeitos do sucedido com a taxa social única e já temos um novo caso. Um verdadeiro desastre.
No que ao conteúdo do relatório diz respeito, o que nos é anunciado é assustador. Estamos ainda em fase de conhecer o real impacto nas nossas vidas do Orçamento de 2013 e já temos um novo pacote de medidas de austeridade, afunilando cada vez mais o país. De tal ordem que o discurso de 1 de janeiro do presidente está já desatualizado, por defeito. A espiral recessiva de que falou será ainda mais acentuada e de difícil reversão.
Não quero com isto dizer que não haja, na globalidade das propostas apresentadas, algumas que mereçam ser estudadas. Mas, tudo visto e ponderado, a generalidade do que se propõe é acrescentar mais recessão à crise.
O que torna ainda mais preocupante a situação é saber-se agora que as medidas avançadas foram, afinal, discutidas com os diferentes ministérios e que algumas delas foram mesmo sugeridas por eles. O que surpreendeu parte do Governo não foi, por isso, a agressividade de mais este pacote de medidas, mas antes a falta de controlo sobre a sua apresentação pública.
O que este relatório do FMI demonstra, uma vez mais, é a incapacidade do Governo para negociar com as entidades que compõem a troika, denunciando a sua atitude subserviente e passiva face aos parceiros europeus que podem influenciar as decisões. Como muito bem referiu o conselheiro de Estado Bagão Félix, este relatório não é senão " um cardápio de cortes e não a reforma do Estado que se impõe concretizar ". Nem mais.
Já no que respeita às consequências desta situação, releva a declaração do partido socialista sobre a realização de eleições antecipadas. Como alternativa de governo a esta coligação, o PS assume pela primeira vez o cenário de eleições como um mal menor e como forma de alterar o rumo para que a coligação arrasta o país. Sente-se que os portugueses preferem cada vez mais esta alternativa à de nos afundarmos no atoleiro em que esbracejamos.
É para mim claro que este não é o melhor momento para o partido socialista liderar um governo. Mas é também evidente que a situação que vivemos não se compadece com meros jogos de poder e exige antes a responsabilidade de se assumir um serviço público. É possível fazer diferente, para melhor.
A coligação, mais uma vez, tremeu. A confiança dos portugueses, indispensável à recuperação, está no seu pior nível de sempre. É por tudo isto e face à cada vez mais degradante situação que vivemos, que uma crise política não pode deixar de ser entendida senão como um mal menor.