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O anúncio público, pelo Governo, de que os serviços da Administração iriam notificar 18 mil imigrantes para abandonarem o país fez soar os alarmes. Porquê? Porque o anúncio público deste tipo de ações é inusitado.
A regulação da imigração faz-se, há muito, no quadro de uma lei que define as condições e procedimentos de “entrada, permanência, saída e afastamento” de cidadãos estrangeiros do território português. Em muitos outros países, existe o mesmo tipo de regulação da imigração que estabelece as condições, repito, de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros.
Todos os anos, em Portugal como noutros países, ocorrem situações de afastamento, voluntário ou coercivo, de estrangeiros. Ordens de expulsão de portugueses em situação irregular ou condenados a penas acessórias acontecem todos os anos. Expulsão dos EUA, do Canadá ou mesmo de França acontecem, mas, em regra, o assunto é tratado de forma diplomática e discreta. A diplomacia e a discrição são importantes para proteger a dignidade das pessoas, a relação entre os estados e o cumprimento rigoroso dos procedimentos legais complexos, sobretudo nos casos de afastamento coercivo. Diplomacia e discrição são também importantes para se evitarem os alarmismos sociais e não se alimentarem preconceitos contra estrangeiros.
Sendo estas as práticas normais, é estranho que o Governo venha ele próprio anunciar o afastamento de imigrantes, que o faça como quem “mostra serviço”, como se de um feito corajoso se tratasse. Se a isto juntarmos as recentes rusgas policiais mediatizadas em bairros de imigrantes e os “encostados à parede”, descobrimos, nas ações do Governo, um padrão, uma regularidade, que alimenta e explora os preconceitos contra imigrantes. Sobretudo os imigrantes pobres, que procuram trabalho, que enfrentam dificuldades da habitação e de regularização.
O afastamento de estrangeiros só é notícia pública, só é objeto de comunicação governamental, em países cujas administrações, como a de Trump nos EUA, cumprem uma agenda política xenófoba. Nestes casos faz-se dos imigrantes os culpados de todos os males, os bodes expiatórios do mal-estar social sentido no país.
Não tenho qualquer intenção de comparar o Governo da AD ao de Trump. Porém, vejo com preocupação a adoção, pelo Governo, de uma agenda política que alimenta preconceitos contra os imigrantes, que se faz forte com os fracos, que faz luto pelo Papa Francisco, mas ignora a sua doutrina sobre imigração e sobre a proteção da dignidade humana.