A mania de taxar tudo o que, de acordo com um conjunto de luminárias, nos faz mal é recorrente. De quando em vez ela assoma ao espaço público, seja porque uma nova investigação detetou que estamos a consumir açúcar e sal em excesso, seja porque alguém fez as contas para mostrar quanto custam ao Estado (quer dizer: aos contribuintes) os nossos devaneios alimentares, seja porque, à falta de sítios onde catar mais uns euros, o Governo vê nos incautos que fumam e bebem em excesso um grupo de prevaricadores prontos a pagar sempre mais um bocadinho para manterem o malvado vício.
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Por mim, que não sou totalmente insensível ao argumentário apresentado pelos mais racionais de entre a leva de fanáticos que sonham comandar o nosso palato, há algo que me mete muita impressão. Uma coisa é aturar os "ayatollahs", outra bem diferente é aturar o Estado, ou quem, dentro dele, deseja fazer de anjinho no ancestral combate contra o diabinho que se coloca do lado oposto da consciência de cada um. Mais: o Estado não faz de médico para verdadeiramente nos livrar das gorduras acumuladas nos nossos corpos: o Estado veste apenas o fato de anjinho quando se impõe taxar as gorduras para rechear os seus cofres.
O leitor deseja uma prova? Ei-la: há dias, a ministra das Finanças saiu-se com a possibilidade de taxar o sal, o açúcar e outros produtos perniciosos. Dias passados, o ministro da Economia, certamente com os ouvidos já cheios de queixas dos industriais que produzem pecados culinários, apareceu de peito cheio a dizer que, afinal, tudo o que a sua colega dissera (e que fora discutido em Conselho de Ministros) não é para levar a sério. O Governo é como os de Vila Meã (com o devido respeito pelos últimos): o que diz hoje não diz amanhã. Já assim aconteceu com o IRS - Portas quer reduzi-lo em 2015; Passos acha cedo.
E isto acontece porquê? Acontece porque a vida está difícil - e assim continuará. A economia ainda comporta "muitos riscos". A perspetiva da dívida é "frágil e muito vulnerável" a novos choques. O desemprego continuará elevado (15,7%). Os despedimentos sem justa causa sairão mais baratos aos patrões. A Função Pública terá uma tabela salarial única e uma nova tabela de suplementos salariais (tradução: boa parte dos funcionários perderão mais dinheiro). O acesso da Banca portuguesa ao financiamento do Banco Central Europeu será "altamente sensível" a futuras decisões de "rating". Isto - e muito mais - está escrito no relatório do Fundo Monetário Internacional sobre a 11.ª avaliação ao programa de resgate, ontem divulgado.
Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. É por isso que os ministros não se entendem. Andam com a tensão alta, arritmias, enxaquecas, insónias e contínua má disposição. O Governo precisa urgentemente de um check-up.