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Na tradição e na experiência política portuguesa não costumamos recorrer à figura do governo-sombra, ao contrário do sistema parlamentar inglês, onde esta figura acaba por ser normal num ambiente bipartidário entre conservadores e trabalhistas.
Recentemente, o então líder do PSD, Rui Rio, na Oposição, criou o chamado Conselho Estratégico Nacional, cuja função seria acompanhar e avaliar a ação política do Governo em funções. Curiosamente, o atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, recorreu a figura idêntica para preparar o partido no regresso à ação governativa. Em ambos os casos, a coordenação deste gabinete não foi entregue ao líder partidário.
O líder do Partido Chega, na sua figura de um homem só para todos os cargos eletivos, acabou de anunciar o seu governo-sombra, reunindo personalidades cujo currículo poderia justificar esta sua escolha.
Acresce que o Partido Chega não apresenta o número de quadros necessários para poder realizar o seu sonho de implantação autárquica e nacional. Na tipologia dos partidos políticos, que estudamos na ciência política, o Chega apresenta-se como um "catch all party", um partido que agrega tudo o que mexe, mas cuja ideologia assenta num populismo de Direita que agora está em voga por todo o lado.
Aceitando as regras do jogo democrático, o partido apresenta-se vazio nas suas ideias e criticado por muitos que já o integraram ou acabaram por se desligar do mesmo. Foi o caso de Gabriel Mithá Ribeiro, cuja ambição acabou por destruí-lo na afirmação da sua intervenção política.
Um livro do jornalista Miguel Carvalho, sobre o Chega, descobre uma realidade que acaba por se enquadrar no que tem sido o seu desenvolvimento. Partido de protesto e esvaziado de conteúdo político com comportamentos no mínimo complexos.
Conhecedor do descontentamento dos portugueses com os partidos tradicionais, o Chega procura obter votos na abstenção e em eleitores que não se reveem no atual quadro partidário.
Contudo, acaba por ser o partido de um homem só, candidato a todas as eleições, sejam as presidenciais ou as autárquicas, em cujos cartazes aparece ao lado dos seus putativos candidatos.
Procurando responder, circunstancialmente, à situação política, a este governo- sombra falta o seu elemento mais distintivo - o primeiro-ministro. Poderá parecer estranha esta afirmação, mas quem se candidata a presidente da República sabe que não pode ser primeiro-ministro.
Obviamente existe sempre a possibilidade de tentar alterar a componente semipresidencial de pendor parlamentar que o nosso sistema vem consagrando e que o respeito pela Constituição obriga.
Resta esperar que os portugueses sejam mais exigentes com a classe política e acreditem que podem existir outras soluções para se poder continuar a viver num Estado que se quer social, de direito e democrático.
Vamos ficar a aguardar...