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Quem acha que Portugal não necessita de maior coesão social e territorial, mais crescimento e investimento? E que temos de conseguir isso no contexto de novos desafios, resultantes das alterações climáticas, transição digital e evolução demográfica? As mensagens de Ano Novo do presidente da República e do primeiro-ministro limitaram-se a exprimir este grande consenso entre nós. O problema é que este consenso existe há muito e não serve para nada. O desafio que temos não é identificar o que nos falta e desejamos, mas sim como o conseguir...
Apesar de uma ligeira redução da desigualdade (medida pelo índice de Gini) a partir de 2014, continuamos a ser um dos países mais desiguais da Europa e com menos mobilidade social (o que significa menos oportunidades de subir na vida). As desigualdades entre territórios (com exceção da Madeira) têm-se agravado. Após a primeira década da nossa integração na Europa, o país estagnou em termos de crescimento económico. E estamos em desvantagem face à maioria dos outros estados europeus no enfrentar dos novos desafios, em particular no digital e na evolução demográfica. As baixas taxas de inovação e transferência de conhecimento e a natureza do emprego no nosso sistema produtivo tornam-no (como indicam estudos internacionais) um dos mais vulneráveis a um impacto negativo da transição digital. Somos também um dos países com maior envelhecimento. Mas reconhecer a extensão dos nossos desafios também está longe de ser suficiente. Se não mudarmos não podemos esperar resultados diferentes. E nada mudou por andarmos há anos a reconhecer que temos de mudar...
Começo a achar que a repetição constante do que desejamos é apenas uma forma de evitar enfrentar as mudanças necessárias para podermos, realisticamente, ambicionar a concretização desses desejos. O que faltou nas mensagens de Ano Novo foi uma reflexão sobre o porquê de andarmos há tanto tempo a repetir o mesmo sem resultados diferentes... Para termos políticas diferentes necessitamos de instituições diferentes. Disso poucos falam. Seria bom se o Pai Natal tivesse colocado nos sapatinhos do PR e PM o livro de Acemoglu e Robinson, "Porque falham as nações". O que é determinante é a qualidade das suas instituições. A minha insistência neste tema só tem correspondência na pouca importância que lhe é dada na nossa política e espaço público... Não repito as várias propostas que já fiz para melhorar as nossas instituições. Faço apenas um apelo, para passarmos do consenso quanto ao que desejamos a uma discussão sobre as instituições necessárias para o conseguir.
*Professor Universitário