A notícia passou quase despercebida. ACRESAP havia chumbado a pessoa proposta pelo Governo para presidir à SOFID. Por detrás dos acrónimos esconde-se uma nossa "velha conhecida" - a comissão que analisa as nomeações para as chefias de organismos do Estado - e uma sociedade, detida maioritariamente pelo Estado, que tem por missão apoiar projectos de internacionalização em países emergentes. Quem noticiou sublinhou que a pessoa em causa havia sido secretário de Estado da Cooperação, tendo a recusa sido justificada com a ausência de experiência no sector. Ora, no meu entender, o ponto não era esse. Mais que a recusa choca a inércia com que o Governo continua a fazer nomeações para as mais variadas instituições e organismos, sem nunca questionar a utilidade da sua manutenção. Parece que se pensou: Portas vai apresentar um guião para a reforma do Estado. Até lá, improvisa-se ou, melhor ainda, business as usual, aproveita-se para nomear mais um dos nossos. Não sei se a SOFID cumpre, ou não, uma missão específica que a justifique. É diferente de outras agências públicas por ter 40% de capital privado. Talvez até possa ser um exemplo. Mesmo assim, quando há Caixa Geral de Depósitos, IAPMEI, AICEP, se anuncia uma agência para o desenvolvimento, sem falar noutras instituições que operam no domínio da cooperação, do financiamento, da inovação, não valeria a pena ter adiado a nomeação, mantendo em funções de gestão a anterior administração e analisar se tudo isto é para manter como está? Se não for por aqui, não estou a ver como Portas vai arranjar as pequenas e médias poupanças de que falava. Para além da CRESAP, espero que o ansiado guião crie uma CAUC, uma Comissão de Análise da Utilidade da Coisa que obrigue a justificar por que se mantém a dita.
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Ironia. Talvez a CAUC conclua pela inutilidade do seu criador. Na verdade, a crer nas declarações de alguns membros do actual Governo, o tal papel que Portas prometeu vai para um ano não passaria no teste da CAUC. Na douta opinião desses governantes, o essencial da reforma do Estado estará feito e resume-se a duas palavras: corte (funcionários, vencimentos) e privatização, com umas quantas alterações orgânicas e coisas do género para troika ver. Afinal, a função do tal documento é bem capaz de ser a de mostrar ao povo, ignorante e ingrato, a obra feita. Assim como um livro de memórias póstumas. Agora a sério: sem desvalorizar o que já foi conseguido, a verdade é que tudo isto, com guião ou sem ele, soa como um concerto de free jazz a um não iniciado - cada um toca para o seu lado e, de repente, acaba. A privatização dos CTT é um bom exemplo. Trata-se da empresa pública com mais presença no país - Norte, Sul e ilhas, Litoral e Interior. Uma instituição de utilidade indiscutível, respeitada, com boa imagem. Não fora a nossa administração pública uma soma de silos sem contacto entre eles, os CTT poderiam ser a base para continuar a assegurar a presença de muitos dos serviços públicos por esse país fora. Serviços que, como já aqui escrevi, considerados, isoladamente, careciam de justificação funcional e económica. Pois só agora, aquando da sua anunciada privatização, o Governo parece ter despertado para esta oportunidade, admitindo que os balcões dos CTT se possam transformar numa espécie de minilojas do cidadão. Não sei se o mal está definitivamente feito e se alguma presença do Estado não pode regressar. Ainda assim, estou em crer que, se tudo isto tivesse sido pensado a tempo e horas, o que se ganhava em equilíbrio do território, em consideração pelas pessoas, em potencial de desenvolvimento, superava os 600 milhões que o Governo pretende arrecadar com a privatização dos CTT. Mas faltava o danado do guião!
P.S. Leça da Palmeira é hoje uma semifreguesia, semi-isolada. Avariada a ponte móvel, com obras na outra, quem vem do Porto, e por ali passa, vê-se e deseja-se. A reparação de uma demorará dois meses. E a da outra? Escavacaram o pavimento e desapareceram, infernizando, ainda mais, a vida dos utentes. Obviamente, o dono da obra está-se nas tintas. O Estado que temos no seu melhor!