<p>1. Chávez têm consciência de que os seus dias no Poder podem estar contados. Com a economia de rastos, apesar dos enormes recursos petrolíferos de que dispõe a Venezuela, perante o descontentamento generalizado da população e a falta de liberdade que se vive, a sua posição no plano interno não é das melhores. Ao mesmo tempo, e no plano externo, Chávez vê-se desacreditado e mal visto. Sem meios, não tendo cumprido a promessa feita ao Haiti em 2007 de biliões de ajudas em infra-estruturas, ridicularizado pela sua inacção, e confrontado com o impacto da generosa ajuda dos EUA, Chávez começou por acusar os yankees de ocuparem militarmente o Haiti e, como essa tolice não teve eco, veio acusá-los de terem causado o terramoto através da utilização de armas secretas.</p>
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2. Apesar de tudo, a alucinação do raivoso tiranete causa menos estranheza do que a reacção da França, que apresentou uma reclamação às Nações Unidas por não se conformar com o comando logístico estar "de factu" na mão dos EUA. O certo é que tem sido a intervenção americana a colmatar a falta de capacidade de resposta da ONU a esta crise, e muito embora seja por demais sabido como os EUA contribuíram, historicamente, para a instabilidade do país, o que este episódio revela é a incapacidade da França resolver o seu ancestral complexo de inferioridade face aos EUA e o seu problema haitiano. Ninguém ignora, e é a História que o diz, que a França explorou o território durante 100 anos, tirou de lá riquezas imensas em café, escravos e açúcar, e nunca aceitou ter sido expulsa por uma revolta de escravos que derrotou exércitos europeus e deu origem à primeira República negra independente da História. E tanto não aceitou, e isto é verdade, que exigiu ao Haiti, em 1825, que lhe pagasse uma pesada indemnização pela perda do território colonial, e que o empréstimo para o pagamento fosse feito junto de bancos franceses a juros usurários, o que arrastou a dívida até 1947…
3. A pungente tragédia que agora se abateu sobre o Haiti tem uma dimensão que desafia a nossa compreensão. Antes do terramoto, este já era um dos países mais frágeis do Mundo, com uma economia incipiente e com um Estado exíguo. Depois do desastre, o seu território é um campo de batalha, uma vala comum onde os sobreviventes lutam por um naco de pão. Felizmente não estamos em 1755, a informação chega instantaneamente aos quatro cantos do Mundo, a solidariedade internacional existe, e é ela que poderá tornar possível a reconstrução se a comunidade dos povos se empenhar nessa gigantesca tarefa. Enquanto isso, é vital que o pouco que resta continue a funcionar e a assegurar algum emprego e receita.
É por essa razão que não me aflige que um paquete atraque na costa da ilha, numa estância que não sentiu o sismo, e discordo de quem escreve que os turistas não "tiveram de ver as pilhas de corpos em decomposição" e que "há muito tempo os passageiros tomam os seus martinis sobre um fundo de morte". O enviado especial do Haiti na ONU já pediu, aliás, para as escalas turísticas não serem interrompidas para não aumentar a desgraça do seu país. O mesmo sucedeu no Sudoeste asiático após o Tsunami, quando os países afectados imploraram para que os turistas continuassem a lá aportar com as suas divisas.
Isto não impede seguramente que se discuta a questão ética do turismo em enclaves de luxo situados em países pobres e em ditaduras, mas esse debate deve ser feito em abstracto, e não no momento em que ocorrem calamidades ou a propósito delas.