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A morte do Papa Emérito Bento XVI, Joseph Ratzinger, no último dia de um ano, em tudo, desagradabilíssimo, atingiu-me pessoalmente. Devo a Ratzinger, à sua obra filosófica e teológica, e, sobretudo, ao seu magistério enquanto líder da Igreja Católica, a renovação espiritual da minha fé. Um pouco à maneira do italiano Gianni Vatimo, vacilei um pouco na minha fé a dada altura do caminho - talvez a do famoso meio dele, de Dante - e tornei-me naquilo que este filósofo designou, com felicidade, um "mezzo credente", na linguagem popular, nossa, um crente de meia-dose. Ora Ratzinger ensina-nos que não existem crentes de meia-dose. Desde cedo, aquele que pertenceu ao grupo dos teólogos e homens da Igreja, que reagiram a uma hipotética deriva "conservadora" do Concílio Vaticano II, percebeu duas coisas fundamentais a que o posterior cardeal de Munique, prefeito para a Congregação da Fé e, finalmente Papa consagraria o essencial da sua reflexão exemplar. A primeira, que a Igreja não é apenas mais um monumento estático do proselitismo contemporâneo. A Igreja não faz proselitismo e deve combater o relativismo moral e material do contemporâneo estéril. Depois, não se cansou de afirmar a importância de a Igreja habituar-se a viver em minoria. A Igreja, a católica, evidentemente, por natureza e pela semântica, é um todo de homens e mulheres, leigos ou religiosos, unidos espiritualmente em Cristo. Não representam uma "multa turba". Essa é a que O negou, apedrejou e crucificou. Seguir Cristo, e trazer Cristo em permanência nos nossos corações tendencialmente frívolos e vazios, é uma obrigação natural, permanente e silenciosa, mesmo quando em comunhão. Comunhão quer dizer partilha do mistério do nascimento, morte e ressurreição de Cristo. Algo que não tem de ser "físico", mas que dá sentido à vida. A vida realmente "vivida" é o significado primeiro e último da Cruz. Não entender a Cruz é não entender nada de nada do que se anda por cá a fazer. "Pega na tua Cruz e segue-me", diz o Evangelho. Julgo que é o melhor epitáfio para Joseph Ratzinger. No seu "testamento espiritual", que o Vaticano divulgou após a sua morte, Bento XVI, logo em 2006, deixou claro que "Jesus Cristo é, na verdade, o caminho, a verdade e a vida - e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é verdadeiramente o Seu corpo". Nós somos o Seu corpo. E "a esperança de Deus é maior que o meu fracasso". Que o nosso fracasso. O Papa Emérito, de quem nos despedimos fisicamente esta semana, foi um "humilde trabalhador na vinha do Senhor", desse Deus que "acende fogueiras na noite do Mundo para convidar os homens a reconhecer em Jesus o "sinal" da Sua presença salvífica e libertadora".
*Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia