Tendo em conta os usos tão diferentes da palavra liberalismo é importante explicar a que se refere o iliberalismo do título.
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No modelo dominante de democracia, esta não se esgota na vontade da maioria. Da democracia também fazem parte a separação de poderes, a proteção dos direitos fundamentais, o Estado de direito e uma Comunicação Social livre e plural. O iliberalismo diz respeito a uma conceção da democracia que nega a importância destes freios e contrapesos ao poder da maioria. É esta conceção alternativa e perigosa de democracia que tem crescido na Europa, de forma envergonhada ou expressamente assumida.
Na Hungria, o primeiro-ministro Orbán defende o que designa de democracia iliberal. A tese é que nada pode ser legitimamente oposto à vontade da maioria. Esses freios e contrapesos não são mais do que instrumentos das elites para limitar o poder do povo. E este poder ou é absoluto ou não é poder. Esta visão não respeita os direitos individuais e das minorias e conduz ao fim da própria democracia. Uma sociedade sem pluralismo nem limites ao poder é uma sociedade que acaba sem democracia. E não existe pluralismo nem limites ao poder se não existirem fontes de poder que não dependam da maioria que controla o Governo e Parlamento num certo momento histórico.
A estratégia não passa por acabar com as instituições independentes tradicionais das democracias liberais, passa por acabar com a sua independência, controlando-as ou descredibilizando-as. Já sabíamos que há um número crescente de países no leste europeu numa deriva iliberal, mas temos ignorado os impulsos iliberais a que temos assistido próximo ou dentro "de casa". Em Espanha, o Governo acaba de nomear a sua ministra da Justiça como próxima Procuradora-Geral (nem Orbán se atreveu a tanto) e, em Portugal, suspeita-se que o ministro das Finanças pode sair diretamente para o cargo de governador do Banco de Portugal. E que dizer da forma violenta como diferentes responsáveis políticos socialistas têm procurado desqualificar e descredibilizar tribunais e entidades independentes.
As decisões destes são, naturalmente, criticáveis, mas isso é diferente de atacar as próprias instituições. Nos últimos dias os juízes do Tribunal de Contas foram acusados de perseguição política e mentecaptos. O mesmo tem acontecido com a UTAO, acusada de irresponsável e incompetente, entre outros epítetos. Passar da crítica a uma decisão de um órgão independente à desqualificação desse órgão independente não é um pequeno passo. É a diferença entre o debate que é próprio de uma democracia (mesmo quanto às decisões de órgãos independentes) e um ataque que coloca em causa as instituições necessárias a essa democracia.
*Professor universitário