Corpo do artigo
É hoje consensual que as desigualdades no acesso a cuidados de saúde oral são enormes e, à medida que se desce na hierarquia social, essas desigualdades acentuam-se ainda mais. De facto, a vantagem social está diretamente ligada a uma melhor saúde oral e as influências sociais positivas podem levar à adoção de comportamentos familiares positivos e consequentemente a uma melhor saúde. De igual forma está comprovado que pais com um nível educacional mais baixo, e com baixos índices de literacia em saúde, têm filhos com uma alimentação mais rica em alimentos açucarados e paralelamente menos acesso a cuidados preventivos de saúde oral, nomeadamente no que diz respeito à aquisição de instrumentos básicos para uma boa higiene oral como escova e pasta de dentes. Nos projetos de literacia em saúde desenvolvidos pela ONG Mundo A Sorrir, encontramos com frequência nas escolas portuguesas um número significativo de crianças que não tinha o hábito de escovar os dentes antes de participarem no projeto desenvolvido pela ONG. São crianças que, em consequência destes hábitos, facilmente desenvolvem cáries
dentárias de evolução rápida, que levam a dor e infeções graves que potenciam o absentismo escolar. O mesmo se verifica nos adultos, sendo que vários estudos comprovam a forte correlação entre problemas orais e uma diminuição da capacidade de concentração, baixa produtividade e aumento da taxa de absentismo no local de trabalho, levando muitas vezes a situações de despedimento.
Em Portugal, apesar do atual esforço que vemos a ser feito com a inclusão dos médicos dentistas no Sistema Nacional de Saúde, o acesso é ainda muito limitado e leva a que exista uma priorização dos casos a serem atendidos e a listas de espera demasiado longas. Acresce que, segundo o Barómetro da Saúde Oral* de 2023, 95% dos portugueses inquiridos refere não ter recorrido a cuidados de saúde oral no SNS no último ano e 24% alega não visitar o dentista por motivos financeiros. Um dos principais projetos desenvolvidos em Portugal pela Mundo A Sorrir celebra agora em março 15 anos desde o seu arranque original no Porto – o Centro de Apoio à Saúde Oral visa ser um projeto complementar a todas as medidas governamentais existentes e tem um foco na utilização da saúde oral como ferramenta para a inclusão social. Este projeto de inovação social apresenta uma equipa multidisciplinar das áreas da psicologia, nutrição e saúde oral e dá um apoio integral aos utentes, promovendo melhorias na sua auto-estima e qualidade de vida e contribuindo para potenciar a sua empregabilidade e inclusão social. Tendo em consideração as limitações já mencionadas no acesso aos cuidados de saúde oral em Portugal, este projeto tem uma capacidade de replicabilidade alta e uma enorme procura por parte da população, tendo já sido estendido a Braga, Lisboa e Cascais. Num total de 5 clínicas sociais, foram já beneficiadas mais de 10.000 pessoas socioeconomicamente fragilizadas. Muitas delas com um per-capita diário de 3 euros, o acesso a tratamentos dentários e reabilitação oral com prótese reflete o abrir de portas para uma vida melhor, mais inclusiva e com mais oportunidades.
As patologias orais, como a cárie dentária encontram-se entre as mais prevalentes no mundo e ao mesmo tempo refletem patologias muito facilmente preveníveis. Urge assim a necessidade de uma aposta nacional em medidas preventivas, uma aposta na literacia em saúde oral, nomeadamente na prevenção do cancro oral. São medidas que, com um baixo investimento podem trazer benefícios imensos para a população.