A incursão do presidente da Comissão Europeia pelos meandros da política portuguesa ao longo de uma excelente entrevista de Ricardo Costa, diretor do "Expresso", já consumiu muitas opiniões ao longo desta semana, porém sem terem sido esgotadas as explicações políticas para o facto de Durão Barroso ter atacado de uma assentada José Sócrates, Vítor Constâncio, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix.
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Em todo o caso, talvez falte a explicação mais singela: a possibilidade de as eleições europeias não darem ao PS uma maioria muito clara e a equação política da famosa estabilidade governativa colocar António José Seguro sob a pressão de aceitar um pacto, por ora contranatura, com a atual maioria PSD/CDS.
Nessa entrevista, há uma ideia de Durão Barroso que já vi qualificada de abstrusa mas pode bem encerrar todo um pensamento político: a de que Portugal teria muito a ganhar se apresentasse à Europa e aos mercados um candidato presidencial apoiado pelo PSD e CDS mas ainda pelo PS.
Esta possibilidade presidencial só poderá ter validade num cenário em que das próximas eleições europeias resultasse um empate técnico entre o PS e a atual maioria, que, concorrendo em aliança, talvez possa amenizar o desgaste da política de austeridade que, de outro modo, a penalizaria duramente, sobretudo o PSD por ser o partido liderante.
Um empate técnico poderia condicionar o resto do ciclo eleitoral, obrigando, por assim dizer, PSD e CDS a prolongarem a sua aliança para se manterem no poder executivo. E mais: com a mesma linha de atuação no plano do jogo partidário, ou seja, usando o apelo sistemático ao PS para um consenso tripartido, declarado falacioso desde que o próprio presidente da República o tentou - e falhou - no delicado período em que Vítor Gaspar se demitiu de ministro das Finanças e Paulo Portas simulou desfazer a coligação.
A experiência acumulada na presidência da Comissão Executiva, ao longo de anos em que União Europeia teve de resistir à ameaça de implosão da sua moeda, não permite que possamos pensar em falhas de pensamento ou inabilidade comunicacional. Durão Barroso disse certamente o que queria dizer e seguramente que não se enganou em nenhum dos alvos - fossem eles da Oposição ou das próprias fileiras -, de modo a patrocinar a sua própria ajuda para que o tal empate técnico possa ser o resultado da próximas europeias.
Em boa verdade, o único, mas grave, problema deste regresso de Durão Barroso ao jogo partidário da política portuguesa é que, entre as pessoas que criticou e cenários que criou, acabou por dar um inesperado tiro no pé da própria Europa. No sentido em que esta entrevista, tão da política portuguesa, se pode transformar no pretexto preferido para que não discutamos os problemas da natureza europeia de cuja resolução dependem em boa parte as alternativas políticas sobre as quais os portugueses deveriam poder escolher.