Durante a campanha eleitoral, duas imagens ajudaram-me a regressar à Terra, a descer daquele universo de encantamento, pontuado por bandeirinhas e discursos, capaz de nos fazer acreditar que no amanhã pós-eleições as coisas vão começar logo a ser muito diferentes, para melhor.
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Uma delas era um anúncio de classificados que correu nas redes sociais e que tinha o seguinte texto: "Precisa-se / (Foz/Porto) /Empregada doméstica interna/ Dá-se preferência a professora de Inglês com experiência com crianças". Era o atestado do país em que nos tornamos nos últimos anos, onde a qualificação das pessoas tem cada vez menos valor e o desemprego se tornou a principal ameaça a um tecido social frágil.
A outra imagem foi um cartaz criado pelo gráfico Luís Vargas, um crítico da coligação PàF, com a cara da ministra das Finanças, de olhar gélido sob um fundo negro, encimado pela frase "O inverno está a chegar", proveniente da série "A guerra dos tronos". De facto, só a distração eleitoral nos pôde afastar dessa realidade imutável e permitir olhar com bonomia para o já "estamos a crescer para sair disto" da coligação ou o vai "ser possível sair disto se crescermos" do PS.
Mal saímos das eleições, a realidade tomou o seu percurso habitual para deixar bem patente que estamos longe de ter saído "disto". Logo no dia 5, ficámos a saber que a construtora Somague iria despedir 273 trabalhadores e, na mesma semana, soubemos que a Unicer iria encerrar as instalações em Santarém e dispensar 140 funcionários. Infelizmente, terminado o efeito de barragem que funciona durante o período eleitoral, o mais provável é que estas notícias se multipliquem.
Por isso, enquanto continuamos embrulhados na surpresa que têm sido estes dias pós-eleitorais, convém não perder de vista que os sinais ténues de recuperação são ainda só um placebo para a vida da maior parte dos portugueses. Enquanto nos afundamos na incerteza de um calendário político, mal escolhido pelo presidente da República, é preciso ter bem patente que os dias que correm exigem governos clarividentes e com capacidade de agir.
Por isso se torna tão mais assustador que à nossa frente, pela direita ou pela esquerda, o mais certo é depararmos com um cenário de instabilidade governativa que só nos ajuda a ter a certeza de que o inverno está a chegar e ainda vai ficar por cá durante muito mais tempo.