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O início do julgamento está marcado para o próximo mês de Maio. Antevê-se uma tarefa complexa e longa para o tribunal, considerando a especificidade da matéria criminosa, o número de arguidos, a densidade e extensão da acusação, os múltiplos documentos de análise especializada e morosa, e a produção de toda a prova fornecida, quer pelo MP, quer pelas defesas. Eminentes penalistas e constitucionalistas afirmam que o processo penal funciona como sismógrafo da democracia. É por isso que, entre nós, se diz que o nosso processo penal é direito constitucional aplicado. A CRP contém normativos expressos sobre as garantias do processo criminal, assegurando todas as garantias de defesa e afirmando que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória; são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa; bem como a abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. O CPP dá cumprimento integral a todos estes comandos, mas há, no texto constitucional citado um conceito aberto, sem densificação do seu conteúdo, falamos do segmento “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”.
Até onde podem ir as garantias de defesa do arguido?
Até ao abuso do direito? A regulamentação processual, no que tange à tramitação da audiência, prevê o direito dos arguidos, MP e assistentes suscitarem nulidades e irregularidades ocorridas antes ou durante as respectivas sessões. Da decisão destes incidentes, alguns obrigam à suspensão do julgamento pela interposição de recursos. É o caso da recusa ou escusa do juiz que impõe que, quando apresentado o respectivo requerimento, este pratique apenas os actos processuais urgentes ou necessários para assegurar a posterior continuidade da audiência. Mas muitos outros podem ocorrer, como requerimentos para a realização de exames, perícias novas, audição de testemunhas não indicadas oportunamente, mas que o arguido considera essenciais à descoberta da verdade. No caso em concreto, o tribunal deverá decidir, desde logo, entre outros incidentes eventualmente a serem suscitados, a questão da imputabilidade criminal do arguido Ricardo Salgado. Decisão complexa, que arrastará polémica e, necessariamente, interposição de recursos, considerando que os exames periciais às suas faculdades mentais, já realizados, não apresentam conclusões irrefutáveis, deixando a decisão final para o tribunal.
Será longa a fase de julgamento, mesmo estando a juíza presidente colocada em exclusividade no processo e previstas três sessões semanais. Há que aguardar com tranquilidade e confiança a decisão de um dos casos mais longos e complexos da história judiciária do país, tendo sempre presente que ao tribunal compete e se lhe impõe conciliar a defesa dos direitos dos arguidos com a objectiva, legítima e imprescindível realização da justiça.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia