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Como se avalia o justo valor e o ganho em saúde de um ato médico? A resposta é difícil, considerando a enorme variabilidade, distintas especialidades e múltiplas componentes dos milhões de atos médicos que se praticam anualmente em Portugal.
O Estado, as seguradoras e os subsistemas têm as suas tabelas de pagamento aos médicos, com valores bem diversos. Estarão bem calculados?
Escolhi o método inverso para esta análise. Em vez de se avaliar o valor de um ato médico somando tempos e componentes, calcula-se globalmente, através de instituições independentes, os tribunais.
Alguns casos:
1. Em 2002, um médico foi condenado a 10 meses de prisão (pena suspensa) e a pagar 50 mil euros à família de uma criança de 18 meses que morreu depois de assistida no seu consultório.
2. Em 2014, uma médica indemnizou em 100 mil euros um doente operado à próstata por um erro no diagnóstico na biópsia; afinal não havia cancro.
3. Em 2015, um hospital pagou uma indemnização de 248 mil euros pela "perda de chance" de sobrevivência de uma doente que faleceu.
Tudo isto aumenta os custos dos seguros profissionais dos médicos, que estes pagam do seu bolso. Repare-se que os hospitais podem exigir ao médico o direito de regresso das indemnizações pagas.
Aproximando de um valor médio, podemos dizer, grosso modo, que os tribunais consideram que um ato médico errado "vale" cerca de 100 mil euros de indemnização, com as adequadas variações.
Mutatis mutandis, com as devidas adaptações, isso significa que o ato médico que salva a vida de um doente deve ser valorado na mesma dimensão, com os inerentes ganhos adicionais, pessoais e sociais.
Então, será justo remunerar um ato médico com o valor potencial de 100 mil euros, por apenas oito euros líquidos, que é o valor/hora de trabalho a que o SNS contrata os médicos especialistas? Esta conjuntura também está a afetar o setor privado.
No SNS, uma cirurgia ao apêndice é remunerada por oito euros, pois demora uma hora, e uma delicada intervenção de quatro horas ao cérebro, por 32 euros. Afinal, quanto vale um diagnóstico bem feito e uma terapêutica apropriada?
A sociedade deve valorizar, respeitar, reconhecer e agradecer o ato médico de uma forma mais justa. Na verdade, o valor do ato médico é o valor da saúde e da vida humana! Nenhuma outra profissão tem este nível de impacto e responsabilização.
Ou os tribunais aproximam as indemnizações do que o Estado ou os doentes pagam ao médico, ou o Estado e os doentes aproximam o que pagam ao médico de valores mais consentâneos com as indemnizações definidas pelos tribunais... A sociedade que encontre uma merecida e equilibrada coerência.
Quando corre mal, o médico paga uma indemnização milionária, quando corre bem é pago como empregada doméstica... Esta imensa disparidade é insustentável e injusta.