“Quanto mais uma pessoa se baixa mais o rabo se lhe vê”, sentenciava a minha avó Leontina, excedendo numa sílaba a expressão coloquial que nos vem logo à cabeça. Em casa era interdita a plenitude do vernáculo. Rabo seja.
Vem isto na sequência da recente Jornada Mundial da Juventude, mas nada tem a ver com o evento católico, antes com o sentimento de vergonha alheia que de mim se apossou, ao ouvir uma repórter da TV portuguesa dirigindo-se assim a um peregrino hispanófono: “Por qué no hablamos Portugal?” (pede-se desculpa pela má transcrição, pois deveria ter um ponto de interrogação invertido no início).
Quando vou a Espanha, luto para fugir ao portunhol. Se nós os percebemos, por que não poderão eles perceber-nos? Há que ser persistente. Lembro-me sempre do dia em que parei o carro numa rua de Mérida, há vinte e muitos anos, questionando um polícia sobre a saída para Badajoz, ou seja, o caminho mais curto de regresso à terra. Sabendo que pisava areia movediça, disse o nome da cidade tal como por cá o pronunciamos, e o homem pasmou a olhar para mim. Uma, duas, três vezes, até que soltou um impaciente “no te entiendo!”, a que retorqui de rajada “também não te percebo!”. A páginas tantas, querendo encurtar a rábula, falei-lhe em “Badaró”, assim mesmo, sorrindo por dentro com o nome do ator brasileiro radicado em Portugal, ao que o agente reagiu aliviado - “Ah, Badajoz!” -, indicando de pronto o caminho.
Poderão dizer que o importante é o entendimento mútuo e o sentido prático das coisas. E com razão, se bem que esta, a razão, nunca seja unânime, tampouco uniforme. O problema de que aqui se fala tem a ver com algo que nos foi legado, a língua portuguesa, e com a enorme responsabilidade de a manter e transmitir. Um problema ligado, também, ao modo como os mais pequenos, nos dias de hoje, são contaminados pelo falar do Brasil, não apenas no vocabulário mas também na sintaxe. Fazemos este caminho simplificando e esquecendo que o elogio da simplificação pode ser a máscara da preguiça. Poderão argumentar, então, que a língua é viva e feita de mudança. Claro que é, mas temos de ser ativos nessa mudança, pois é a nossa responsabilidade.
A abertura ao outro, que tem entre nós um passado de séculos, não é defeito. A busca de entendimento tem tudo para ser virtude. Mas nada disso nos obriga a dar nomes estrangeiros a negócios de porta aberta, algo que deveria ser severamente taxado. O problema é sermos atores passivos da mudança. E, não o esqueçamos, quanto mais uma pessoa se baixa mais se lhe vê o cu.

