A propósito do debate sobre regionalização e políticas do território, voltei a uma entrevista memorável de Jorge Gaspar realizada em 1999, na qual se lhe pedia que pensasse o país 20 anos depois, ou seja, na década em que hoje vivemos*.
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Há muito que o país está concentrado no litoral e nas áreas metropolitanas das duas maiores cidades. É um movimento que continua, pois as pessoas tendem a procurar melhores oportunidades para si e para os seus filhos. Porém, para muitos dos que procuram as metrópoles, este sonho nunca se realiza. O que encontram, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, são condições de vida difíceis, onde se sente mais a severidade de problemas como o desemprego, a inflação, o insucesso e o abandono escolar, as dificuldades de habitação e de transporte, ou de conciliação do trabalho com a vida familiar.
A litoralização do país nunca foi devidamente encarada como problema em si mesmo. Deixamos crescer, tragicamente, espaços urbanos sem coesão social e com pouca atenção aos transportes e aos espaços públicos. Por outro lado, também não soubemos despovoar. Jorge Gaspar dizia: "há o desenvolvimento pelo povoamento, mas em algumas áreas é preciso desenvolver despovoando", o que exige um grande esforço de planeamento, criticando "a mania bem pensante de, dê por onde der, temos de ter a mesma densidade no litoral e no interior".
Crítico da regionalização, Jorge Gaspar defendia, para Portugal, um modelo de desenvolvimento com um eixo principal no sistema urbano constituído pela grande "região metropolitana do Cávado ao Sado, com um bom ordenamento do território, apostando num policentrismo de atividades, acolhendo empresas e atividades com expressão global", associado a outros eixos ou sistemas urbanos de pequena e média dimensão, e promovendo a articulação e cooperação entre autarquias.
Hoje, 20 anos depois, predomina um olhar sobre a coesão territorial focado quase só nos territórios de baixa densidade, subordinando muitas vezes políticas setoriais a esse foco. Porém, com as atuais políticas de coesão territorial, corremos o risco de não conseguir alterar as tendências demográficas, por impossibilidade de limitar a liberdade dos que decidem ficar ou partir, e, simultaneamente, de desperdiçar oportunidades de desenvolvimento efetivo. Mas o risco mais grave é mesmo deixarmos para segundo plano a coesão social do país.
*Jorge Gaspar "O turismo pode pagar a paisagem", em A. Gomes, J. V. Malheiros e T. Sousa (1999), Portugal 2020, Fenda Edições.
*Professora universitária