<p>Não são eleições de partidos, mas essencialmente de pessoas e soluções. Votos sobre as maneiras mais convenientes para resolver problemas "não ideológicos": como limpar uma rua, como dar mais segurança a um bairro, como providenciar serviços essenciais de qualidade a uma cidade.</p>
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Não são eleições de partidos. Ou melhor, não deviam ser. A Constituição e a lei admitem a concorrência de cidadãos "desalinhados". Apesar disto, só há sete municípios governados por independentes. E, ainda assim, trata-se de pessoas que foram partidárias até há pouco, saindo em ruptura com o seu velho mundo.
Os partidos tradicionais, por outro lado, possuem a parte de leão do Poder Local: 157 câmaras para o PSD, 110 para o PS.
Claro que esta é a superfície. Debaixo dela, move-se outra realidade. Em muitas autarquias, o partido "local" rege-se por lógicas próprias, e é frequente encontrarmos declarações "heréticas" de eleitos da terra, ou ideias pouco sufragadas pelo "partido nacional". Noutros sítios, existem alianças tácitas/tácticas, muitas vezes excêntricas face às directivas dos quartéis-generais de Lisboa.
Isto é bom e mau para os grandes partidos do sistema. Por um lado, torna-os mais conhecedores da realidade da pátria, das suas misérias e grandezas. Fá-los mais realistas, embrenhados que ficam no labirinto de inúmeros interesses particulares, por vezes incompreensíveis, se vistos do Terreiro do Paço. Por outro, torna-os mais imprevisíveis, menos seguros de uma base de apoio uniforme, estável e disciplinada, em vários momentos da vida colectiva.
Nos velhos manuais de Direito Constitucional, discutiam-se as vantagens e males da "descentralização". Por um lado, colocava-se a virtude da "proximidade". Por outro, o pecado possível do "egoísmo". A grande arte de um poder autárquico saudável, descomplexado, adulto, é perceber que há possibilidade de conciliar os "anseios locais" e o bem comum, ou o "interesse geral". Precisa de haver um constante sopesar dos bens em jogo, da sua essencialidade, das consequências de um choque. As eleições locais deveriam assim ser o maior laboratório político de Portugal, onde estariam as melhores e mais sofisticadas competências.
Nem sempre é assim. Por isso trata-se de decidir, caso a caso. Em Lisboa, voto Santana, não por o achar perfeito, nesta reincarnação, mas porque entendo que, contra ele, só há ou projectos fracos, ou irrealistas, ou improvisados, ou meras frentes de projecção de personalidades nacionais "em estágio".
No Porto, em Sintra, em Gaia, cidades que conheço bem, não me parece também haver dúvidas sobre Rio, Seara, Menezes. Mas já teria enormes dúvidas em Oeiras: Isaltino fez obra relevante, reconhecida por todos (lembram-se da Oeiras de antanho?), mas devia esperar que os tribunais resolvessem, de vez, o seu caso. Será uma questão de consciência, mas também de prudência.
Dir-me-ão que são todos candidatos da "área PSD". Mas em muitas zonas do Alentejo e do Algarve, votaria CDU ou PS. E no Centro/Norte, o PP merece vários prémios.
E a preferência por um candidato não significa, no Poder Local, a rejeição total da alternativa. Ou a menor consideração dos outros: em Lisboa, por exemplo, sei que todos os contendores são pessoas de bem, que amam esta cidade degradada, e que a querem diferente.
Por outro lado, a vida ensina-nos que, nas autarquias, é preciso arregaçar as mangas. E, para isso, precisamos sempre de todos, depois de esquecidas as amarguras do voto.