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Aparentemente, realiza-se amanhã um conselho de ministros extraordinário para aprovar medidas destinadas a suster a inflação e a prover à crise, nomeadamente energética, que já assola - e de que maneira - a União Europeia. Quando oiço falar em conselhos de ministros extraordinários deste governo, assusto-me. Andamos há dois anos, entre ordinários e extraordinários, em plenários ministeriais de onde raramente saem decisões consistentes. Veja-se os últimos, enquanto Costa veraneou. Um grupo de ministras e de ministros, chefiados pela mocinha da Presidência, rumou à serra da Estrela para anunciar uma "nova" serra da Estrela saída dos escombros dos incêndios locais. O que não teve remédio remediado estava pelo "progresso" anunciado e, recorrendo ao "algoritmo" da improvável Patrícia Gaspar, podia ter sido pior. Houve, aliás, um "ganho" de 30% na catástrofe em relação à previsão inicial do governo. Como de costume, ninguém percebeu que a época de incêndios não se prepara e previne em cima dela ou imaginando uma Disneylândia beirã logo a seguir. Entretanto, Costa regressou da praia e Marta Temido, a catástrofe ambulante da Saúde, esperou cerca de 24 horas que ele se recompusesse da viagem. Numa madrugada, demitiu-se. Já era uma governante do passado e do passivo, mas levou o tempo a entender que jamais devia ter persistido no governo da absoluta. Costa, nada dado a estados de alma, lamentou, avisando imediatamente que as "políticas" (quais, com o sistema nacional de saúde num caos?) eram para continuar. A senhora ficou a aboborar, demissionária, e, em S. Bento, um primeiro-ministro descontraído, em camisa de ganga, juntava a mocinha da Presidência, o do Ambiente, o fatal Medina e o seu ajudante Mendes para "preparar" o tal conselho extraordinário a que aludi. Fora a "bilha solidária" de Duarte Cordeiro, a verdade é que, contrariamente aos governos europeus mais próximos de nós, o do PS só agora pretende analisar a crise que somou à da pandemia a inflação e a energética geral. Lá por não estarmos tão dependentes de certas coisas como outros, somos uma periferia preguiçosa que chega sempre tarde à história, à boa e à má. Ainda ontem, o espanhol "El País" dava conta da preocupação do governo Sánchez por causa da inflação. Prometida ser acidental, e susceptível de ser curada rapidamente pelo BCE e pelos bancos centrais autóctones, em Janeiro, a inflação não só não foi debelada como passou do trote para o galope no Verão. E as famílias - as espanholas - começam a sentir duramente em Setembro o seu efeito. A Alemanha aprovou vários pacotes de ajuda à sociedade, pessoas e empresas, o último dos quais este fim de semana, com 65 mil milhões a mais e uma taxa sobre os lucros das energéticas para baixar as facturas. E Macron, famosamente, decretou o fim da abundância e do paradigma do infinito que geriu estupidamente o mundo nos últimos anos. Nós por cá, todos bem? Pois há sol, o esférico roda quase diariamente, Bruno de Carvalho casou-se numa das "igrejas" que alimenta a piolheira, a TVI/CNNP, Marcelo não sai da feira do livro e Costa fez de conta que dançou ao martelo em Moçambique. Convinha, porém, aterrar no real e não continuar fora deste mundo. Porque o mundo, para além de não esperar por nós, chegar-nos-á rapidamente a casa, à empresa, às compras. Já chega, aliás. Ocupamos o lugar do morto sem saber ou, pior, sem querer saber disso para nada.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista