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Há pessoas que são diferentes. Como se assim tivessem nascido. Com um carisma e um saber tão próprios. Como se dali todas as decisões devessem nascer. Existe qualquer coisa que não se consegue explicar. Há algo nelas que quando entram numa sala tudo se reorganiza. Quem lá está parece até respirar melhor. Os argumentos perdem tom e ganham forma. As ideias amadurecem e tudo se interliga. Em algum momento todos nós já nos cruzamos com alguém assim. Como se fosse uma exceção à regra. Sem se poder ensinar. Inatos na sua iniciativa para liderar e na legitimidade para o fazer.
O tempo tem-me exposto a inúmeros perfis profissionais que se podem legitimar como presenças inteiras nas decisões das lideranças organizacional e civil. Pessoas que pensam diferente e de ângulos com valor acrescentado. Mas muitos acabam por não se afirmar, não por falta de vontade, mas por terem de se expor e diferirem de ideias coletivas que são artificialmente construídas pelos pares. Numa era em que as organizações e a sociedade continuam a acelerar a incorporação da estandardização, a automatização e a previsibilidade dos modelos de linguagem predicativa em grande escala, esta divergência para a diversidade de pensamento aparenta-se cada vez mais difícil de se afirmar. Todos nós nos tornamos rapidamente pioneiros na adoção e uso destas ferramentas que aceleram o nosso pensamento e nos ajudam na redução da variabilidade, do risco, do erro e da humanização que os potencia. Os perfis profissionais são cada vez mais escolhidos em função do alinhamento, do desempenho e da previsibilidade. Em prol da estabilidade das organizações e da sociedade civil. Mas para alcançar algo realmente transformador falta-lhes frequentemente algo imperfeito, desalinhado, e humano, que só a exposição consecutiva ao erro permite alcançar, mesmo que com ela venha a fragilidade emocional que a máquina não sente.
Cabe-nos a nós procurar pela legitimidade que podemos potenciar nos outros, ou em nós. Na diferença, na oportunidade, na construção da diversidade e na desconstrução dos perfis típicos, onde o risco esteja presente na decisão. Que crie desalinhamento e daí emerjam soluções mais completas. E talvez o futuro dependa mais de criar lugares para a legitimação e liderança, com inspiração, espaço e condições que tornem gente imperfeita em perfeição. Para que os novos líderes não desapareçam antes sequer de começarem.