Ocorreu-me a ideia ao passar por um restaurante de “fast food” onde se congregam dezenas de trabalhadores de entregas ao domicílio, atulhando a rua e os passeios com as suas motocicletas. São praticamente todos imigrantes. Gente que aceita trabalhos de que os portugueses fogem. E é evidente que entre esse pessoal, que vive em guetos de camaratas infetas e ilegais, há quem pratique crimes. Não porque andemos a importar indiscriminadamente delinquentes, mas porque a vida os pode empurrar, como a qualquer outro cidadão, para a delinquência. E ainda não falei da tal ideia que me ocorreu: por que diabo precisamos nós de tantas motos de entregas? Porque muitos portugueses ficam em casa, encolhidos num misto de sensações, quiçá enganosas, de conforto e segurança.
Um dos lugares-comuns do português assustado, que vota na extrema-direita, é a ideia de que temos imigrantes a mais. E há sítios, nas nossas cidades, onde podemos pensar isso, em especial se não estivermos habituados a pensar. Já me ocorreu, no Porto, cruzar determinada rua e, a partir daí, ouvir toda a sorte de línguas menos português de Portugal. Línguas arábicas, industânicas, africanas, algum português com as variantes de sotaque brasileiro que já vamos reconhecendo, espanhol, francês, inglês, alemão, enfim, a babel turística.
A única coisa mal, ali, é a ausência de portugueses “tradicionais”. Por medo, por snobismo, por resignação. Quero focar a resignação de pensarmos que a cidade nos foi roubada e nada fazermos contra isso. Aquando da pandemia e dos confinamentos, o metro do Porto circulou, um ou dois meses, sem cobrar viagens. A maior parte das pessoas estava fechada em casa, e o que sobrava no metro eram os desvalidos: os sem-abrigo, os toxicodependentes, todos os desgraçados que, de borla, ganhavam no metro uma visibilidade que nunca haviam tido, pois eram praticamente só eles. Eram muitos, tal como os imigrantes são muitos porque gostam de sair à rua. A segurança que aqui se vive, para os brasileiros, é um milagre. Outros chegaram e não têm bombas caindo-lhes em cima. Outros não passam fome!...
Os de cá assustam-se e desistem de partilhar o espaço, o que os tornaria naturalmente maioritários e à imigração mais integrada. Até a turistificação - que não o turismo - abrandaria.
*Jornalista

