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A apresentação do tão ansiado programa eleitoral do PSD foi uma interessantíssima operação de marketing político. Mas ao contrário. Manuela Ferreira Leite contrapôs ao espavento usado pelo PS uma sobriedade que roçou o tristonho. O espaço escolhido era reduzido, as cores e a simbologia pouco animadas, o discurso demorou menos de trinta minutos e, claro, a líder social-democrata assumiu a pose rígida e inflexível com que imagina poder conquistar as desesperadas almas dos portugueses. A dada altura, a coisa fez-me lembrar a célebre série dos anos 70 "Homem rico, homem pobre": resumidamente, a história de dois irmãos que vivem um na miséria, outro na opulência.
E por que razão escolhe Manuela Ferreira Leite a imagem da austeridade, muitas vezes levada mesmo ao limite do aceitável? Ela diz que tem um motivo: execra o exibicionismo e a superficialidade, a propanda e o embuste que, a seu ver, são a marca de água da actuação do Governo liderado por José Sócrates. A verdade, o trabalho, o sacrifício, a contenção, a responsabilidade: são esses os valores amados e abraçados, com força, pela líder social-democrata. Desta gigante diferença deveria nascer um programa político marcadamente distinto das propostas socialistas. Nasceu? Não nasceu.
Em boa verdade, tirando uma ou duas ideias com que o PS não concordaria nunca (repensar o TGV e as auto-estradas e acabar com o sistema de avaliação de professores, por exemplo) e descontando um par de tiradas ideologicamente mais diferenciadoras, não há nada de verdadeiramente substancial no programa do PSD que o PS não pudesse subscrever, engolindo mais um sapo ou outro.
Provas disto: sigam o rasto dos blogues e dos comentadores mais encostados ao PSD e perceberão como (quase) todos atribuem pouca importância a esta coisa dos programas políticos que ninguém lê, tenham eles 40 ou 120 páginas. De resto, a mesma linha já tinha sido seguida quando estalou a bronca das listas para deputados.
Ora, se nada disso interessa, ou interessa muito pouco, o que é, afinal, importante? A imagem, pois claro. Ou melhor: o modo como se "vende" a imagem. Sócrates "vende-a" recheando-a com brilhantina e confetis, mantendo todos os pormenores sob estrito controlo, usando frases feitas e sonoras, movimentando-se como um jovem cheio de energia. A Manuela Ferreira Leite só restava "vender" o contrário. Calhou-lhe bem, porque o contrário encaixa bem no seu modo de ser.
E é por isto que, a meu ver, os debates televisivos entre Sócrates e Ferreira Leite serão decisivos: aí, no palco por excelência da imagem, se verá quem a usa melhor e, sobretudo, quem a usa mais convictamente.