Não se deixem iludir com o título. Num dia como este, a crónica teria de ser, e é, sobre a eleição de Donald Trump para presidente dos EUA. Acontece que, esmagado pela quantidade de análises, explicações, opiniões e comentários produzidos, em pouco mais de meia dúzia de horas, sobre um acontecimento que a maioria classifica como um cataclismo, tropecei, sem querer, nas máximas de Mariano José Pereira da Fonseca, escritor, filósofo e político brasileiro, mas feito doutor em Filosofia na Universidade de Coimbra, em finais do século XVIII.
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Ignoro quase tudo sobre o marquês de Maricá, mas fiquei a conhecer um número suficiente das suas máximas para decidir que usá-las é uma fórmula tão boa como outra qualquer para alinhavar umas ideias sobre o fenómeno democrático que conduziu um indivíduo comprovadamente mentiroso, misógino, xenófobo e racista a líder do mais poderoso país do Mundo. Como escreveu o marquês, e com esta me convenceu, "os velhacos têm por admiradores todos os tolos, cujo número é infinito". Um politólogo contemporâneo substituiria velhacos por populistas e a coisa estaria quase explicada.
Mas é preciso também ter em conta que, quando alguém ganha, alguém perde. Ou, como diria Mariano, "em tese geral não há homem feliz sem mérito, nem desgraçado sem culpa". À inegável intuição política de Donald Trump, que percebeu que "os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à incerteza, que os incomoda", corresponde o falhanço de Hillary Clinton. Que tinha pelo menos dois grandes trunfos eleitorais, que se interligam, mas que não aproveitou: é uma mulher, mas não foi capaz de dar dimensão eleitoral suficiente a essa qualidade; e tinha como oponente um burgesso que maltrata as mulheres, mas nem assim obteve a simpatia dos eleitores homens.
Dizem-nos os analistas que os eleitores-tipo de Trump são sobretudo brancos, pobres e ignorantes. Ora, se é verdade que o milionário nova-iorquino esmagou a candidata democrata na América rural, onde habitam os chamados "rednecks", os dados não autorizam a generalização da caricatura. Por exemplo, entre os eleitores com curso universitário houve um empate. E entre os que têm menores rendimentos, foi Hillary quem venceu. Resta a cor da pele, mas também este é um fraco argumento: a maioria dos eleitores de Hillary também é branca. E talvez seja altura de lembrar que os especialistas em análises pós-eleitorais são os mesmos que tão espetacularmente falharam nas análises pré-eleitorais. Ou, como diria o marquês de Maricá, "sempre haverá mais ignorantes que sabedores, enquanto a ignorância for gratuita e a ciência dispendiosa." Serve para os "rednecks", mas também para os sofisticados "pollsters".
* EDITOR-EXECUTIVO