O massacre de Santa Cruz e o futuro de Timor

Em setembro de 2017, André da Costa Belo tomou posse como secretário de Estado dos Veteranos, no Governo da Fretilin chefiado por Mari Alkatiri. Em consequência da rejeição do seu programa, o Governo manteve-se em funções com meros poderes de gestão até à dissolução do Parlamento Nacional e das eleições antecipadas convocadas pelo presidente da República.

O breve mandato de "L4" iria terminar a 22 de junho deste ano, na sequência da vitória eleitoral do CNRT de Xanana Gusmão e da coligação maioritária que permitiu a formação de um novo Governo, chefiado por Taur Matan Ruak. Contudo, nem todos os ministros do novo Governo iriam tomar posse. Uns, porque o presidente da República, Francisco Guterres, Lu Olo, não os aceitou, invocando razões éticas todavia carecidas de suporte em qualquer condenação judicial ou investigação criminal que os comprometesse. Outros, entre eles Xanana Gusmão, recusaram tomar posse por solidariedade com os anteriores... Por outras palavras: após longos meses de Governo de gestão, das eleições antecipadas e da nomeação pelo presidente da República de um novo Governo apoiado pela maioria que na legislatura anterior tinha inviabilizado o Governo minoritário da Fretilin, a governação de Timor-Leste continua deficiente, com uma parte dos ministros a acumular as inumeráveis pastas ministeriais que continuam por preencher por teimosia de ambas as partes: do presidente da República e de um Governo ainda incompleto!

Aquando da dissolução do Parlamento Nacional - a 26 de janeiro de 2018 - o presidente da República "Lu Olo", seu nome de guerra, justificava assim a sua decisão de dissolver o Parlamento Nacional e de convocar eleições legislativas antecipadas:

"Não podemos continuar nesta situação que já é de grave crise institucional. O presidente da República confia no povo, como o povo confiou nele. E, está convencido de que o povo deve ser chamado, mais uma vez, a ajudar com o seu voto, a ultrapassar o desafio que se coloca à nossa jovem democracia. O presidente conclama todo o povo a votar, em eleições parlamentares antecipadas. Vamos todos votar pelo reforço da democracia, pelo Estado de direito! O presidente da República, no uso das suas competências, previstas no artigo 86.º, alínea f) da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, decreta a dissolução do Parlamento Nacional e, a seu tempo, vai convocar eleições parlamentares antecipadas nos termos da Constituição e da Lei".

Timor é terra de gente livre e destemida. André da Costa Belo partiu no dia 12 de novembro, justamente, 27 anos depois do massacre de Santa Cruz. Ao cabo de 16 anos de heroica resistência, as tropas invasoras não tinham ainda sido capazes de controlar a totalidade do território desse povo amado, dessa parcela longínqua do antigo império colonial português. Foi o massacre de Santa Cruz que veio despertar a consciência universal para a infâmia do esquecimento da luta insubmissa do povo timorense. Foi aí que a autodeterminação de Timor-Leste conquistou fôlego para obter o reconhecimento internacional corajosamente confirmado pela consulta popular de agosto de 1999. A geração que resistiu, a geração heroica que devolveu a liberdade aos timorenses tem o dever indeclinável de superar esta crise que se arrasta há demasiado tempo, uma crise que não têm o direito de impor ao povo que neles confia. Francisco Guterres "Lu-Olo", Xanana Gusmão, Mari Alkatiri, Taur Matam Ruak, têm a obrigação de ultrapassar mágoas e agravos pessoais para encontrar remédio para a situação atual... aliás, como sempre demonstraram no passado!

Viva Timor-Leste, livre e independente!

*DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL