O medo, a incerteza e a quarentena da confiança
1. A incerteza, o medo e a confiança são condição permanente da vida humana. Ao longo da história alimentaram fantasias extraordinárias, inspiraram as artes, construíram as religiões, atormentaram os filósofos e determinaram a glória ou a tragédia de inúmeros empreendimentos coletivos.
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A partir dos anos oitenta, a exaltação da incerteza tornou-se moda e o risco passou a ser descrito, predominantemente, como a oportunidade de uma opção voluntária ou até como exercício supremo da liberdade individual. Ora bem... é certo que a paixão do risco suscitou as mais arrojadas aventuras e prodigiosas façanhas. Todavia, é verdade que o medo se alimenta da incerteza e que só pelo conhecimento a conseguimos reduzir e controlar com segurança. Senão, bem sabemos, o medo apodera-se da comunidade humana que de súbito se acha transformada em presa inocente de obscuros demagogos e de impostores brutais.
2. Foi muito curiosa a evolução do meu relacionamento com os rabirruivos ao longo da quarentena de abril. Claro que me refiro, em particular, ao par de "rabirruivos pretos" que fez ninho no beiral do alpendre mas a mudança de atitude é um fenómeno comum aos "rabirruivos de testa branca" que também frequentam o jardim. A minha presença já não os afugenta, quer debiquem no solo, no telhado ou num ramo da faia. Aprenderam a interpretar a minha imobilidade como um sinal de paz. O bicho tem a penugem preta como carvão brilhante que contrasta com a cauda cor de fogo - metáfora viva da ave mitológica que mergulhava nas chamas para renascer - e pousa agora no muro, donde me observa, sem pressa, para depois levantar voo, direito ao ninho. Ontem, por inesperada acrobacia, imobilizou-se no ar, qual helicóptero, por breves instantes, antes de desaparecer por baixo do beiral. Definitivamente, abandonaram o antigo modo esquivo de aproximação à ninhada que por eles espera, faminta e insaciável.
3. Apesar da atenção obsessiva que toda a Comunicação Social lhe continua a dedicar, a verdade é que ainda sabemos muito pouco acerca desta espécie de pandemia. Mas aprendemos entretanto por experiência própria e pelo conhecimento obtido pelos cientistas que, mesmo sem ter descoberto o remédio que a cure ou a vacina que a venha a prevenir, é possível reduzir os riscos, condicionar a ameaça e até conviver com o terrível vírus. O cumprimento espontâneo das recomendações incansavelmente explicadas e repetidas pelas autoridades públicas foi a chave do sucesso até agora alcançado no controlo da progressão do contágio. A exemplaridade cívica não caiu do céu. É fruto do rigor e da seriedade com que o Governo e a oposição souberam encarar esta crise. A confiança nas instituições democráticas não é uma dádiva. Tem de ser merecida e permanentemente renovada.
Deputado e professor de Direito Constitucional