É uma tradição, quando chega o fim do ano, fazer listas de livros, de discos, de filmes e séries, de palavras e de personalidades do ano, de acontecimentos marcantes. São tentativas de um balanço que valoriza o que ganhámos mais do que aquilo que perdemos. Não fujo a este padrão.
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O melhor de 2022 foi sem dúvida o controlo da pandemia. A vacina representou uma grande vitória da ciência e dos cientistas que, de forma desinteressada, perseguem as obsessões da sua curiosidade. E as políticas públicas, a intervenção do Estado na proteção das pessoas e das empresas, os sistemas públicos de saúde, a procura de soluções pelos profissionais permitiram um regresso ao funcionamento do dia a dia e das instituições. O ano de 2022 foi, neste campo, o do regresso à normalidade, mas com alguns paus na engrenagem. Por exemplo, no que respeita à educação, em 2022, talvez tenha faltado um pouco mais de atenção aos efeitos da pandemia sobre as aprendizagens dos mais jovens e sobre o funcionamento das escolas. Talvez tenha faltado uma vontade mais firme de perceber estes efeitos para, de forma mais eficaz, os minimizar. Não deixa de ser paradoxal que se valorize e se procure compreender os efeitos da pandemia sobre a saúde mental e que esse esforço não tenha equivalente no que respeita à educação. No geral, podemos dizer que há ainda um caminho a percorrer para voltar a abrir as instituições de saúde, de educação e de ação social à participação das famílias.
O pior de 2022 foi mesmo a invasão da Rússia e o início da guerra na Ucrânia. A violência, a destruição massiva de vidas, de infraestruturas, de instituições, qualquer que seja o desfecho da guerra e o momento em que ocorrer, deixará a Ucrânia desfeita e as suas gentes destroçadas. A invasão de um país e uma guerra na Europa por disputa de território e de poder é algo que já não acreditávamos ser possível. Até acontecer. Todas as consequências perversas clássicas deste tipo de conflito estão aí: a corrida aos armamentos, a maior associação da inovação tecnológica à guerra, os negócios de armas, os ganhos absurdos e oportunistas com as quebras nas cadeias de produção, o cinismo político, a propaganda. Sabíamos que seria assim, mas não foi possível evitá-lo.
O inesperado também aconteceu. Os países europeus, em aliança com os EUA, mantiveram-se unidos na defesa da Ucrânia e da democracia. Porém, o tempo, a desesperança e a fragilidade das alianças, por contraposição à força dos poderes autoritários e das ditaduras, não favorecem o otimismo. Para já, o pior de 2022 arrisca-se a ser, também, o pior de 2023.
*Professora universitária