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Lá em cima, como quem olha para o céu, a 400 quilómetros do chão que pisamos, há meia dúzia de tipos de várias nacionalidades que vão passar o Natal em viagem, a mais de 28 mil quilómetros por hora. Enquanto nos dura a consoada, os tripulantes da Estação Espacial Internacional vão dar pelo menos uma volta à Terra, uma inteirinha a cada 90 minutos, o que lhes permite assistirem 16 vezes por dia ao nascer e ao pôr do sol. É fantástico, sim! E tão verdadeiro como os governos de Portugal e de Espanha terem acabado de atualizar os salários mínimos terrenos para 580 euros, o nosso, e 736, o deles. E é porque estamos no Natal, e porque é com euros que se compram o peru e o polvo - ou, como eu gosto ainda mais, o bacalhau com couves.
Há um mito de Natal no coração de cada um de nós. E seja ele qual for, sonhamo-lo sempre com os que amamos. Os romanos da antiguidade eram devotos de Saturno, filho do céu e da terra, um deus que faria reinar a idade de ouro, cheia de paz e abundância. Por esta altura do ano, à volta do solstício de inverno, e em homenagem àquela divindade suprema, organizavam as Saturnais, grandes festejos populares com que pretendiam celebrar, por uns dias, esse tempo fértil e maravilhoso sem distinções sociais. Desobrigavam então os escravos, suspendiam as atividades, interrompiam as campanhas militares e gozavam uma semana de repouso, livre e feliz, entre banquetes e orgias.
O Natal dos cristãos só chegou depois. Mas seja qual for o nosso credo, há de ser difícil não simpatizarmos com a ideia do presépio ou não nos deixarmos enternecer com o retrato despojado do menino pobre, nascido em família humilde, num canto perdido do Mundo.
Há dias, em conversa via satélite com os astronautas de turno na Estação Espacial Internacional, o Papa Francisco perguntava-lhes sobre o lugar do homem no Universo. Respondeu-lhe um dos tripulantes que é de "um indizível prazer contemplar a serenidade do planeta, sem a visão de conflitos". E que, "ao olhar para fora, via a criação de Deus". Sim, vista lá de cima, a terra que pisamos deve ser muito bonita e, decerto, sem fronteiras. Sabemos que não é verdade, como o não é o Pai Natal que inventámos para os nossos filhos. Mas celebrar o presépio merece que, ao menos por um dia, soltemos o menino que trazemos sequestrado dentro de nós. E que, mesmo atrasados, ainda lhe roguemos um pouco de inocência. Para fazer dos nossos sonhos astronautas, porque nem todos os anjos têm asas. Vamos bem a tempo, haja saúde. E boas festas!
* DIRETOR
