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Evito mentir, não por razões éticas mas por um motivo bem egoísta. Sou um desastre absoluto na arte de mentir. Não tenho jeito. A minha a cara é um livro aberto. Tenho a certeza absoluta de que se começasse a mentir a alguém, não era preciso essa pessoa ser especialista na análise de microexpressões faciais e da linguagem corporal, como o dr. Cal Lightman da série "Lie to me", para topar logo que eu estava a tentar enganá-la, faltando à verdade. Não estou a armar-me. Devo até confessar que chego a ter alguma inveja de um colega que domina na perfeição essa arte da mentira e é capaz de enfiar a maior das galgas com o ar mais convincente do Mundo. Até acho que ele está a desperdiçar no jornalismo um dom que lhe traria mais vantagens em profissões onde é indispensável ser capaz de dissimular as emoções e mentir com a mesma naturalidade com se respira, como a de ator, jogador de póquer ou político.
Imagino que quando se nasce com um talento desta natureza, deve ser muito difícil controlar a tentação para abusar dele e cair no buraco da mitomania. Este é um dos lados maus do excesso de qualificações na arte da mentira. O lado bom é que os melhores mentirosos têm mais hipótese de sucesso na vida, porque até são capazes de se enganarem a si próprios.
Há muitos motivos que nos podem empurrar para a mentira (evitar castigos, proteger outros, escapar de uma situação desagradável, obter uma vantagem, justificar uma falta, etc.). E há mentiras que de tanto ditas passaram a ser aceites como verdades, como os clássicos "não tenho tempo" ou "não tenho dinheiro", desculpas esfarrapadas, pois quando as usamos estamos tão-só a dizer que não achamos prioritário investir nessa atividade ou produto o dinheiro e tempo que temos.
A mentira é indispensável à política. O velho Maquiavel avisou toda a gente disso quando escreveu que na política é necessário ser um mentiroso ousado para se garantir o poder. O problema da mentira é que regra geral tem a perna curta.
Na Oposição, Passos Coelho jurou que quando chegasse ao Governo ninguém o veria impor sacrifícios aos mais necessitados, não despediria pessoas, não cortaria salários, nem aumentaria o IVA e essa ideia de acabar com o 13.° mês era um disparate. Mas estas afirmações, que o tempo desmentiu, podem beneficiar do desconto de lhe darmos de barato que quando as proferiu ele acreditava no que estava a dizer.
O que está em causa no caso Tecnoforma é diferente. Apesar de acreditar que, como bom político que é, Passos é capaz de mentir perante as câmaras sem um leigo detetar que ele está a faltar à verdade, neste caso, preferiu refugiar-se na omissão, a tática usada pelos péssimos mentirosos (como eu), quando estão encurralados - sabem que uma mentira tem a perna curta, mas se disserem a verdade tramam-se.
A omissão de Passos, alegando falta de memória para não esclarecer as dúvidas, não augura nada de bom. Compra-lhe tempo. Não mais que isso. Porque se se provar que o primeiro ministro mentiu ao Parlamento e fugiu ao Fisco, não lhe resta outra hipótese senão demitir-se.