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Costuma dizer-se da democracia, citando Churchill, que é o pior sistema de governo... com a exceção de todos os outros. Do mercado livre e, portanto, do capitalismo, poderia dizer-se a mesma coisa. Até porque, pelo menos durante boa parte do século XX, democracia e capitalismo evoluíram a par, sustentando-se um ao outro e contribuindo para a supremacia do modelo político e económico do mundo ocidental. Porquê, então, o uso do condicional no que diz respeito ao capitalismo? Entre outras razões (e algumas das que não interessam ao âmbito deste texto são particularmente daninhas, como a crescente desigualdade), porque o mercado, como o nome indica, quer ser livre de todas as amarras, incluindo as democráticas.
Os representantes do capital não estão interessados, por exemplo, nos mecanismos de regulação que os representantes do povo, de vez em quando, lhes tentam impor. E se não conseguem evitá-los, tratam de os contornar. Até porque a regulação é sempre tímida e a maioria das vezes incompetente. É o caso da nova Lei das Comunicações Eletrónicas, que sofreu alterações há cerca de dois meses, mas foi imediatamente subvertida pelos mercados.
O objetivo era acabar com o monopólio das fidelizações nos contratos com as operadoras de telecomunicações, ou seja, permitir que os consumidores pudessem optar, a preços justos, por contratos sem amarras temporais. No fundo, garantir-lhes o acesso a um mercado livre. Acontece que o capitalismo não tem por finalidade garantir a liberdade de escolha, apenas o lucro. E as operadoras cumpriram a lei, porque a isso as obriga o jogo democrático, mas rapidamente arranjaram forma de a transformar em letra morta.
Por exemplo, de forma concertada (ainda que as autoridades da concorrência nunca o consigam provar), as três principais empresas, que até aí avaliavam os custos de instalação e ativação do serviço entre 80 e 150 euros, passaram a avaliá-los entre 350 e 410 euros. Do serviço que se está a falar é o daqueles senhores que vão a casa esticar uns cabos e ligá-los ao router e à box. Um serviço que, em simultâneo nas várias operadoras, quadruplicou de preço. Resumindo, voltou tudo à estaca zero. Se o consumidor quiser um contrato sem fidelização, tem de estar disponível para pagar umas largas de centenas de euros a mais (pode chegar a mais 800 euros ao longo de um período de dois anos, nos pacotes de serviços mais comuns).
Perante isto, o que dizem os nossos representantes democráticos? Alguns classificam a manobra como "chico-espertismo" e a maioria parece inclinar-se, ainda que a medo, para voltar a mexer na lei. Quem mais destoa é, curiosamente, o partido que está no poder. O deputado Luís Moreira Testa, em nome do PS, recusa precipitações. E usa um argumento que deixa qualquer um a hiperventilar: "é preciso deixar o mercado respirar".
EDITOR EXECUTIVO