Resido em Matosinhos, onde voto. Trabalho no Porto. Vivo nos dois, por isso as suas peripécias autárquicas me interessaram mais. Procurando que as minhas opções não se reflectissem nos meus escritos, o meu interesse não foi platónico: apoiei publicamente Guilherme Pinto (GP), em Matosinhos, e Rui Moreira, no Porto.
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Em Matosinhos considerei e, como eu, muitos, a decisão do aparelho do PS um desrespeito para com os cidadãos do concelho. Guilherme Pinto não será o melhor presidente de Câmara do Mundo. Exerceu, contudo, o seu mandato de uma forma tranquila e a contento da esmagadora maioria da população. Se o PS não lhe tivesse retirado o apoio teria, por certo, disputado a António Costa o melhor resultado da noite nas grandes cidades. A votação alcançada prova a confiança que a população deposita nele, e na sua equipa, sendo uma lição para os apparatchiks que infestam as máquinas partidárias. Os matosinhenses recusaram-se a ser uma "Parada de Carneiros", pensaram pela sua própria cabeça e deram uma lição a um PS que, com Seguro, e na linha de Sócrates, se tem tornado cada vez mais, demasiado mesmo, dependente desses poderes que controlam o aparelho. Pela dimensão que alcançou e por ter sido conseguida por alguém que está quase nos antípodas da postura populista de outros rebeldes partidários mais mediáticos, a vitória de Guilherme Pinto é um bom sinal.
No Porto as sondagens tardaram em reconhecer o que se sentia nas ruas: uma candidatura com adesão em crescendo. Daí as dúvidas que só com a sondagem da Católica se começaram a dissipar. Rui Moreira soube concitar uma base social de apoio interclassista, identificada com a ideia de o Porto ser o seu partido, que reconheceu no candidato um dos seus. Os portuenses viram nesse lema todo um programa para a cidade. Quem assistiu à sessão de apresentação da candidatura percebeu, desde o início, a sua abrangência: as "contas à moda do Porto" suscitaram muitos aplausos; o papel da actividade cultural na dinamização de uma cidade cosmopolita e aberta, ainda mais. Ali estava um independente! Quem leu o manifesto eleitoral percebeu como em torno de três eixos consensuais (coesão social, economia e emprego, cultura e desenvolvimento) se estabeleciam propostas inovadoras, inclusivas, realizáveis. Não obstante a tendência de alguma comunicação social para centrar a campanha no espalhafato, as propostas foram passando, a confiança com o eleitorado reforçada, a mobilização de proximidade conseguida. Como teria de ser numa campanha com poucos meios de financiamento. Rui Moreira, a quem alguns adversários tentaram colar o rótulo de elitista, construiu uma candidatura verdadeiramente popular, fabricada nas ruas, ratificada nas urnas. Não foram os outros que perderam, foi Rui Moreira que ganhou e, com ele, o Porto.
Beneficiou, ainda assim, de alguns tiros nos pés das outras candidaturas. No caso de Pizarro não é para mim óbvio que, tal como com Elisa Ferreira, o aparelho partidário se tenha mobilizado como ele merecia. Já Luís Filipe Menezes pagou vários erros que foram erodindo a sua base de apoio. Começou na colagem acrítica, e contranatura, ao Governo, mesmo quando tal implicava quebrar a solidariedade com causas regionais e metropolitanas que defendera. Passou pela incapacidade de explicar não tanto a dívida mas a forma de a pagar: uma dívida per capita em Portugal ou na Alemanha não é a mesma coisa, como não é em Gaia ou Lisboa, infelizmente. Não foi capaz de conter, e alimentou, a miríade de propostas de quem o rodeou. Não admira, por isso, que tenha sido derrotado não apenas no Porto mas também em Gaia em que pactuou com um candidato partidário alienígena, entregando a Câmara ao PS. Conjuntamente com Passos Coelho e Alberto João Jardim formam o trio dos maiores derrotados da noite. Apesar de António Costa, Rui Moreira e Guilherme Pinto contribuíram para a vitória dos independentes.
P.S.: Cheguei a criticar a cobertura do JN por me parecer "descair" para o lado de Menezes. Dou o braço a torcer: no último mês e meio, o trabalho jornalístico foi isento e de boa qualidade, próximo do exemplar.