A campanha de que está a ser alvo o actual ministro da Justiça, Alberto Martins, por parte de alguns órgãos de informação, constitui mais um deplorável exemplo desse tipo de jornalismo que não respeita nada nem ninguém. Não respeita a dignidade das pessoas, não respeita a verdade dos factos e, sobretudo, não respeita aquele mínimo de deontologia jornalística sem o qual não haverá, nunca, verdadeira informação numa sociedade democrática.
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Em causa está o pagamento de trabalho extraordinário à mulher de Alberto Martins, que é magistrada do Ministério Público, nos mesmos termos e condições que a dezenas de outros colegas seus.
O epicentro dessa campanha é o antigo secretário de Estado da Justiça, João Correia, que se demitiu em finais de 2010 e que, desde então, a tem vindo a alimentar com constantes declarações públicas que, no mínimo, revelam a sua falta de sentido de estado e de perfil político para o cargo que desempenhou durante cerca de um ano.
Mas vejamos os factos: Maria da Conceição Fernandes, a mulher do ministro da Justiça, reclamava há vários anos, tal como muitos outros colegas seus, o pagamento do trabalho extraordinário que prestava num tribunal diferente daquele em que estava colocada. Essa pretensão foi-lhe negada pela hierarquia do MP e pelo Ministério da Justiça, razão pela qual intentara, em 2007, uma acção judicial contra o Estado, exigindo esse pagamento. Sublinhe-se que os tribunais sempre decidiram estes casos favoravelmente aos magistrados, condenando o Estado a pagar-lhes os complementos remuneratórios reivindicados. O próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) já ameaçou pedir a penhora de bens do Estado para garantir esses pagamentos.
Com a entrada de João Correia para o governo, o Ministério da Justiça mudou de posição e passou a pagar as remunerações pedidas. Sublinhe-se que João Correia foi advogado do SMMP e, antes de ser secretário de Estado, terá mesmo patrocinado vários magistrados em acções judiciais contra o Estado exigindo esses pagamentos. "Coerentemente", João Correia decidiu, enquanto secretário de Estado, dezenas de casos e todos no mesmo sentido, ou seja, favoravelmente aos magistrados. Entre os casos decididos está o da mulher de Alberto Martins que, por esse motivo, desistiu da acção judicial.
Num país civilizado nunca estes factos poderiam responsabilizar o ministro da Justiça, muito menos permitir o julgamento de carácter a que o mesmo tem estado publicamente sujeito há várias semanas; a não ser que se entenda que uma magistrada, por ser mulher do ministro da Justiça - e só por isso - não tem os mesmos direitos que os seus colegas.
Num país com uma comunicação social séria quem teria de dar explicações públicas era o antigo secretário de Estado da Justiça, nomeadamente para esclarecer por que razão não se declarou impedido, como governante, de decidir casos em que um antigo cliente seu (o SMMP) tinha interesse directo e que eram objectivamente iguais a outros casos que ele patrocinara como advogado antes de ir para o governo.
Porém, o que temos no nosso país é um jornalismo que não faz investigações mas sim insinuações e que não interpreta os factos com honestidade (como impõe o respectivo Código Deontológico), antes os deturpa e articula no sentido de levar os leitores a concluir certas "verdades" previamente estabelecidas. Neste caso já se chegou ao ponto de insinuar que a acção interposta por Conceição Fernandes foi mal contestada pelos juristas do Ministério da Justiça com o objectivo de a favorecer processualmente.
Conheço bem Alberto Martins e João Correia. Sobre este não quero falar, pois ele próprio, melhor do que ninguém, fala por si. Chamo apenas à atenção para este pormenor: uma pessoa que, depois de se demitir do governo, vem dizer publicamente que há coisas a investigar no ministério a que pertenceu, não revela apenas uma chocante deslealdade para quem o convidara para aquelas funções; ela mostra, sobretudo, o perigo que correrão todos aqueles que, no futuro, também possam vir a confiar em si.
Já quanto a Alberto Martins, quero referir que o conheço há cerca de quarenta anos, desde os tempos em que estudávamos em Coimbra. E porque o conheço bem, posso testemunhar publicamente que ele sempre foi um cidadão de mãos limpas e também de consciência limpa. Um homem que sempre pautou a sua vida por elevados padrões de honradez e probidade. Alberto Martins é um homem com uma invulgar grandeza de carácter. Infelizmente, pessoas como ele são cada vez mais raras na nossa vida pública.