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Sou neta de agricultores analfabetos e cresci numa família numerosa, em que um forte sentido de entreajuda permitiu que oito de dez irmãos da linha materna tivessem acesso a formação superior. Esse percurso poderia tornar sedutor o discurso da meritocracia, mas os dados de sucessivos estudos mostram que a realidade em Portugal é bastante menos cor-de-rosa do que os mitos individualistas apregoam.
Não se trata sequer de as mudanças sociais serem lentas, a verdade é que no acesso ao Ensino Superior o fosso entre quem tem mais recursos e os alunos de famílias de baixos rendimentos acentuou-se desde 2008. O nível geral de qualificações tem vindo progressivamente a subir, mas sobe mais rapidamente nas classes favorecidas. Entre os jovens com 25 a 34 anos cujos pais não concluíram o secundário, apenas 23% terminaram um curso superior.
Embora a educação continue a ser o elevador mais poderoso de que dispomos, criar ilusões quanto a este tema é meio caminho andado para que as desigualdades persistam. É urgente melhorar as ferramentas de ação social no Superior (três em quatro bolseiros recebem o apoio mínimo), mas também olhar para as fragilidades em níveis anteriores, como o Secundário, ou ainda valorizar os cursos profissionalizantes e a educação de adultos. O contexto de partida conta demasiado. E é obrigação do Estado assegurar que remove obstáculos e permitir que as oportunidades sejam niveladas. A justiça social deve ser um valor inquestionável em si mesmo, mas é, além disso, uma arma eficaz contra o ressentimento e os desequilíbrios de que os populismos se alimentam.

