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Não recordo o nome do motorista, apenas os traços físicos que pareciam indicar estarmos, eu e o Pedro, perante um WASP (acrónimo de White-Anglo Saxon Protestant). Ou seja, um norte-americano branco, de língua inglesa e protestante. Até no cabelo se aproximava, pela escassez e pela tonalidade, de Donald Trump. Ainda por cima, o motorista do autocarro, tal como o milionário candidato à presidência dos Estados Unidos, é nova-iorquino.
As semelhanças, no entanto, terminavam aí, à superfície. A substância de que é feito o motorista é bem diferente da do conservador que choca o Mundo com frases xenófobas e propostas bélicas, como ficou bem percetível naqueles dez minutos de conversa à porta do autocarro, para matar o tempo de espera, algures num subúrbio negro de Queens.
Em contraste com o apoio moderado à democrata Hillary Clinton - naquela fórmula universal de escolher o menor dos males -, o motorista mostrou-se severo com Donald Trump. Na forma como transforma os outros numa ameaça, nas frases desbragadas que causam embaraço à nação e, quem sabe, a poderão envolver em mais umas quantas guerras sujas e dúbias, ou nos muros que quer erguer.
Não acredita nos muros, aquele motorista de autocarro de Nova Iorque. Se uma pessoa abandona a sua terra, a sua gente, em busca de uma vida melhor, por que haveremos de olhar para ele como um invasor, perguntava-nos. Nos EUA, como na Europa, ao impedir a entrada dos refugiados sírios, acrescentou.
Não haverá nunca muros que travem a chegada de gente desesperada. Nem o muro que Trump quer construir na fronteira com o México, nem o muro que a Hungria constrói na sua fronteira com os Balcãs, nem o muro simbólico que outros países europeus recuperam quando suspendem o acordo de Schengen (ontem mesmo, a Bélgica, amedrontada com o êxodo dos habitantes da "selva" de Calais, juntou-se aos que ameaçam o sonho europeu da livre circulação) . Os deserdados do Mundo, seja no México, na Grécia ou no Norte de França, encontrarão forma de passar. E não se pode fazer outra coisa senão tratá-los como iguais, defende o motorista WASP.
Quando Trump - o homem que quer fechar os "maus" em Guantánamo, institucionalizar a tortura, ou proibir a entrada a hispânicos e muçulmanos - se transforma no principal candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA (com mais uma vitória nas primárias do Nevada), é reconfortante saber que nem todos, entre a gente comum, se deixam envolver pelo populismo, pelo isolacionismo e pela xenofobia. A julgar pelo exemplo do motorista branco, anglo-saxónico e protestante, talvez os Republicanos estejam, não a comprar um "ticket" para a Casa Branca, mas um bilhete para uma humilhante derrota eleitoral.