O Norte tem sido a região mais fustigada pela actual crise económica. Dificilmente poderia ser de outro modo. Desde logo, pela enorme exposição aos mercados internacionais de um tecido produtivo voltado para a exportação. Se a procura internacional se contrai, a concorrência intensifica-se, movida pelo desespero de quem tenta sobreviver. Onde tal é possível, os salários e as condições sociais do trabalho degradam-se ainda mais. Não querendo, ou não podendo, acompanhar essa "corrida para o fundo", os encerramentos multiplicam-se entre nós. Com um impacto no desemprego tanto maior quanto mais trabalho- intensiva for a especialização.
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Nesse contexto, o provável encerramento da Qimonda surpreende. Maior exportadora nacional, trabalhando no domínio das tecnologias avançadas, com empregados muito qualificados, parecia ser o exemplo do caminho a seguir. Vai-se a ver e, afinal, tinha tantas debilidades quantas as tais empresas obsoletas. Ou seja, conseguia competir na base do custo. Sem inovação permanente que a mantivesse à frente dos seus concorrentes, a Qimonda produzia um produto igual ao de todas as outras empresas do ramo. Uma espécie de T-shirt tecnológica. Com uma dificuldade adicional. Enquanto no vestuário ou no calçado a diferenciação passa pela criatividade, no fabrico de memórias a inovação vem pela via mais difícil: investimento e dimensão. Sem uma unidade de investigação que lhe permitisse uma dinâmica própria, a fábrica em Portugal era um alvo fácil. O governo compreendeu essa ligação e fez esforços para que se criasse tal centro. Infelizmente, a crise apanhou o processo a meio. Pode ser que ainda haja uma solução. Oxalá a haja! Entretanto, fica a lição: as novas tecnologias, só por si, não são "a" alternativa. O sucesso é sempre transitório. E há mais do que um caminho para o ter.
Veja-se o caso da Macvila, também de Vila do Conde, como a Qimonda. O que faz? Vestuário de homem. Por subcontratação para grandes marcas internacionais. Todo o contrário do recomendado pelos gurus. Herdeira da Maconde, procura encontrar um espaço de sobrevivência. Empenha-se em fazer os produtos mais complexos. Em responder rapidamente. Para ganhar a confiança desses grandes clientes. Vai sobreviver? Não sabemos. Para já mantém o emprego e encara o futuro imediato com o optimismo que a capacidade de sacrifício lhes dá.
Optimismo que se ouve, também, de Conceição Pinto, a trabalhadora que, há quatro anos, comprou por um euro a fábrica de confecções dos Arcos de Valdevez. Aguentaram o emprego. Com empenho e abnegação. Fácil de medir. A empresa emprega cerca de 100 trabalhadoras. Factura perto de 800 000 euros. Admitam que metade disso é para as matérias-primas, o equipamento, água e luz. Façam as contas e perceberão que, dificilmente, as trabalhadoras levam para casa mais do que o salário mínimo. Mas têm a dignidade que o emprego dá!
Três histórias. Um denominador comum: a concorrência internacional. Ser capaz de aí vencer é pressuposto de qualquer modelo de desenvolvimento. Que sejam os trabalhadores destas empresas a pagar os efeitos da crise, enquanto funcionários públicos e trabalhadores de empresas como a PT e a EDP, não só mantêm o emprego como vêem os seus salários generosamente aumentados, faz pensar! O mundo ao contrário?