<p>O novo locatário da Casa Branca chegou ao momento da verdade, em que precisa de deixar cair a cara de "Mister Nice Guy". O tempo dos sorrisos passou. Falamos agora de vida e de morte, algures entre o Paquistão e o Afeganistão. </p>
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Em três meses de presidência Obama, redobraram os ataques "cirúrgicos" americanos contra alvos taliban. Os "Predator", aeronaves de combate não tripuladas (UCAV), são as principais armas neste combate, que, alegadamente, provoca muitos "danos colaterais".
Isto é calão, claro, para baixas entre civis.
Não se pode dizer que Obama não tivesse anunciado o que vinha aí. Num famoso primeiro debate com McCain, insistiu em que destruiria a serpente no ovo. Ou seja, que atacaria os aliados da "al-Qaeda", onde quer que se encontrassem.
Se estivessem nas zonas tribais do Paquistão, e se Islamabad não os quisesse, soubesse ou pudesse deter, as forças armadas americanas tratariam disso. Com ou sem autorização paquistanesa, no exercício de um direito de "legítima defesa".
Obama acredita, genuinamente (pude verificá-lo com conselheiros e estrategos), que há uma "guerra justa" em curso, conduzida pela ISAF, no Afeganistão, e pelos EUA, contra as bases taliban, nas regiões clânicas do Paquistão. Estas FATA, ou áreas tribais federais, integram um território autónomo com 27 mil quilómetros quadrados, onde vivem 5 milhões de almas (provavelmente mais, com a inflação de "voluntários" de todas as partidas).
Para o presidente americano, herdeiro espiritual de Lincoln e dos espíritos "iluminados" da tradição unionista, trava-se ali uma luta pela civilização e pela decência.
É o Mundo contra os taliban.
Parece espantoso. Há dez anos, tal cenário seria impossível.
Mesmo depois dos ataques às embaixadas americanas em África, no Verão de 1998, a diplomacia e a defesa dos EUA olhavam os taliban como um problema regional, microrregional, ou local. Os "estudantes de teologia" não possuíam um programa declarado antiamericano, pareciam mais ameaçadores para o Irão, e preparavam-se até para abrir uma missão em Washington (o actual presidente Karzai poderia vir a ser o primeiro "embaixador").
Se não tivesse ocorrido o 11 de Setembro, se não se tivesse provado uma ligação entre taliban e al-Qaeda, se estes grupos não tivessem declarado intenções de conflito planetário, se não se tivessem "internacionalizado", se os seus adeptos não tivessem levado "a causa" a Bali, Casablanca, Madrid, Londres, Riade, Islamabad, Jacarta, Manila, Tunis, Argel, Amã, o problema permaneceria menor.
Isto é, fora das atenções do superpoder.
Mas o Mundo está ao contrário. E continuará, se as acções "de polícia" contra os taliban fortalecerem a propaganda destes. Se continuarem a causar estragos relevantes entre não-combatentes, apesar da anunciada "precisão".
Obama sabe que não existe aqui só uma solução militar.
O radicalismo armado tem um fundo social. É uma espécie de "crime político". Alimenta-se com a injustiça económica, com o subdesenvolvimento, com os mal-entendidos entre os EUA e os seus aliados locais, com os "delitos do imperialismo".
Para se resolver o imbróglio, é preciso voltar às noções básicas: o "bom combate" tem de se fazer com diplomacia, auxílio, capacidade de ouvir, de pedir desculpa, de desculpar, e de agir com firmeza, sempre que seja necessário punir o culpado.
Tudo isto requer uma pessoa como Obama.
Mas pode não ser suficiente. Receio bem que não seja.